Retorno Solar — Biografia em camadas, 5
Esse texto vai ser como uma jornada de ayahuasca, mas há promessa de redenção.
31 de dezembro de 2023.
O pouco que sei sobre espiritualidade, cristianismo e catolicismo me obrigam a fazer os devidos preâmbulos antes de falar de como minha alma buscou, de diversas formas e denominações, saciar minha sede de Deus.
Quando comecei a escrever a 5ª parte das reminiscências de jornada, no dia 25 de dezembro, eu estava refletindo sobre um conflito interno e o que ele me revelava sobre minha fibra de fé, ou a falta dela.
Um malfeitor pode, em seu leito de morte, arrepender-se verdadeiramente de seus pecados e assim ser salvo no gongo, da mesma forma que um devoto intocável pode em seu último suspiro perder seu estado de graça, uma espécie de Botafogo da fé. Penso, então, que o balanço espiritual de uma vida só pode ser feita após o último sopro, e não por ninguém menos que as autoridades eclesiásticas e, é claro, o próprio Deus. Somente Quem tudo viu pode passar a régua e fechar a conta espiritual da criatura. Antes da morte tudo é processo, há sempre a chance da redenção por mérito, bem como a de queda por tropeço.
Logo, comentar minha errância religiosa enquanto ainda vivo os primeiros ângulos de um retorno ao cristianismo não deve ser considerada como testemunha de qualquer coisa exceto pelo que é: um relato circunstancial do que eu passei até o momento que decidi escrever esse texto, já nos fins de 2023. É isso que essa parte pretende: relatar, comentar, partilhar, mas sem promessas de satisfação moral, nem conclusão de fé, nem amarração com as partes autobiográficas anteriores (sobre redação publicitária, virada ao teatro, imersão no teatro e minha aventura na Astrologia) — é reflexão e mais nada.
No momento que comecei a escrevê-la eu fazia a catequese com um padre da Opus Dei e planejava batizar-me antes da Páscoa ou do Corpus Christi de 2024. Caso me aconteça algo até lá — Deus queira que pro bem — fica registrado.
Agora, de volta no tempo.
O crente descrente
Minha família toda, salvo uma tia aqui e outra ali, é crente da Congregação Cristã no Brasil. Foi lá, em meio a uma fervorosa e comunidade, bem como em seus inconfundíveis cultos com divisão entre homens e mulheres, de um lado os ternos sem barba, de outro as saias de véu, que eu cresci a infância e parte da minha adolescência. Mas não se tratou apenas de ser crente de sangue. Eu nasci da união de dois núcleos familiares, os Pini Nunes e os Klarosk de Oliveira, e dois de seus patriarcas eram bastante conhecidos pela irmandade.
Os principais homens de ambos os lados eram ativos participantes da comunidade. Meu vô materno batizou-se aos vinte anos, trabalhou vendendo ternos e móveis para os irmãos, dedicou a maior parte de sua vida a pregar a palavra nos cultos, foi co-responsável para que a salinha do coração da favela do São Remo se transformasse na hoje grande igreja da Cidade Universitária em São Paulo, cuidou voluntariamente do jardim da fachada por muitos anos e, principalmente, foi cooperador (como se diz “pastor” na Congregação) por mais de cinco décadas, chegando aos noventa ainda dando uma palhinha eloquente de voz grave sobre a Bíblia e a fé para a irmandade que o bem queria.
Já meu pai, quando solteiro, costumava passar seus finais de semana ajudando alguma obra da comunidade crente; podia ser levantando as paredes da casa de um irmão sem dinheiro, podia ser reformando alguma igreja do outro lado da cidade, podia ser levando doações de um bairro a outro; tempo ruim era ficar parado em casa! Minha avó dizia que ele, quietão em si, mas alegremente solícito, saía meia hora mais cedo aos domingos para ir com seu fusquinha até o centro de Osasco e oferecer carona aos irmãos ou irmãs que estivessem indo a pé da estação até a igreja. Meu pai conhece boa parte da cidade de São Paulo de tanto visitar os diversos bairros que erguiam novas igrejas da CCB. Por fim, após casar-se com minha mãe, ele ainda foi por alguns anos cooperador nos cultos de jovens e menores, e eu tenho essa memória forte, a de ser primogênito de quem trazia a palavra para a mocidade do Jardim Oriental de Osasco.
Neto do Irmão João de um lado, filho do Irmão Clóvis de outro, o pequeno Claucio, ou o Clovinho, era praticamente um príncipe da congregação. O rostinho fofo, os cabelinhos loiros e a sempre iminente traquinagem me fizeram ser requisitado para levar as alianças nos casamentos da comunidade: em sete vezes fui “daminho de honra” (o pajem). A “linhagem sacerdotal”, digamos assim, para não dizer também o carisma puxado de meu pai e avô, me safou muitas vezes do castigo quando banquei o arteiro em pleno culto. Um dos episódios mais famosos foi quando levei um saxofone de brinquedo ao culto adulto e, sem pedir autorização de meu pai, larguei dele e fui sentar ao lado do irmão saxofonista para tocar com convicção na execução de um hino animado.
Mas, se socialmente a minha “carreira de fé” tinha suas promessas, o conteúdo em si da fé não entrava no meu coração. De todas as vezes que congreguei, devo me lembrar só de duas ou três palavras (que é o sermão ou homilia da CCB). Não havia noite forçada, promessa de doce ou puxões de orelha que me fizesse querer congregar por livre e espontânea vontade. Pelo menos eu ia com meu pai, que tinha seu jeito amansador e fazia sentir-me protegido, disfarçando até minha falta de interesse. Os cultos só levantavam meus olhos curiosos quando vinham irmãos de outros estados, pois sempre reservavam tempo da parte dos testemunhos para que eles contassem seus causos de conversão e milagres, e que, na prática, podiam ser tão engraçados que acabavam se tornando uma espécie de stand-up crente. Fora aquilo, as minhas principais lembranças são memórias em que eu, moleque, estava lamentando meu tédio, ansioso pelo fim do culto.
Cristo, em Si, foi semeado em meu coração por causa das histórias que liam em voz alta para mim, especialmente meu pai, antes de dormir, com aqueles livrinhos coloridos quadrados que tínhamos em casa. As histórias de Davi contra o gigante Golias, o refluxo estomacal que Jonas causou na baleia, o cabeludo Sansão e a traição de Dalila, as parábolas de Jesus, especialmente aquela do filho rico que comia lavagem de porco, e a jornada de José vendido pelos irmãos como escravo para se tornar conselheiro e intérprete de sonhos do Faraó — minhas preferidas.
Quisera que os cultos fossem feitos de contação de histórias bíblicas ou dos testemunhos da roça. Como não eram, eu precisava sempre combater o tédio. Certa vez joguei com meu primo uma espécie de Super Trunfo improvisado, usando os próprios papeis que guardávamos dos recitativos, que sempre vinham com números escritos no verso. Ou então eu inventava campeonatos imaginários cujos jogos tinham seus resultados definidos pela numeração correspondente aos hinos solicitados, aos versículos lidos na palavra, ou à quantidade de testemunhos nos cultos. Criar jogos era minha forma de passar o tempo e manter a atenção.
Quando meus pais se separaram, a minha relação na Congregação rompeu quase que de vez e respirou por aparelhos a partir de então. Eu já não tinha a companhia de meu pai nos cultos, e minha mãe, por vergonha social do divórcio, buscou por mais de um ano, todos os domingos, evitar a nossa igreja comum, e por isso nos levou para congregar em localidades revezadas, às vezes bem distantes, em que eu era um completo estranho.
Conforme entrei na pré-adolescência e fiz amizades na escola, notei que, de todos meus amigos, colegas, ou colegas de colegas, nenhum era crente, e nem mesmo conseguia identificar na classe alguém que fosse rotineiramente religioso. Nos eventos sociais, ficava morrendo de vergonha das roupas cafonas, “de crente”, que eu tinha para vestir; afinal, percebi que eu sentia vergonha de ser da igreja. Minha última tentativa de participar da comunidade foi fazer aulas de música na escolinha da CCB, onde aprendi flauta transversal. Abandonei o curso após um ano por ter percebido que tinha decidido estudar música por empolgação, não por dom ou devoção, e talvez por ter sido desencorajado por sempre ver meu primo, que tocava saxofone, e que era só um ano mais velho que eu, perder praticamente todos os seus domingos em compromissos com a Congregação e estampar no rosto, após os almoços em família, a tristeza de não poder brincar na sua idade.
Pouco a pouco o tédio deu lugar ao desgosto. Na minha adolescência, não me recordo de ter ido uma vez sequer com vontade sincera ao culto de jovens e menores, que acontecia às sonolentas nove e meia da manhã de domingo, tampouco de voltar revigorado ou satisfeito dele. Íamos a pé, minha irmã e eu. Para me distrair durante o culto, eu procurava ocupar minha imaginação com típicos pensamentos de púbere: o bumbum das irmãs, sempre formosos e salientes em seus vestidos, fossem justos, fossem soltos, e que eram misteriosamente valorizados pelo término das tranças de seus longuíssimos cabelos na lombar, que por sua vez harmonizava perfeitamente em curva côncava o início dos abaixo duplos macios volumes convexos, ornamentados com marcas sutis que indicavam o formato de suas calcinhas que contornavam metade, um terço ou até menor área daqueles que pareciam os travesseiros perfeitos para eu pousar minha face e ter de volta, mas agora de forma especial, o sono do qual eu tinha sido arrancado. Eram hipnotizantes, e as únicas vantagens que eu retirava do meu compromisso dominical. Não fosse eu tão cabaço, teria ao menos tentado um xaveco na saída do culto, momento em que a formação de casais era potencializado. Mas muitas vezes o assunto desses papos eram sobre expectativa de batismo, visita a outras igrejas, e reuniões da mocidade. Parecia forçado demais ver gente de catorze, quinze anos conversar com termos tão antiquados. “Deus já preparou uma carona para a irmãzinha?”, foi o que ouvi de um garoto de treze anos para uma moça mais velha que ele. Tão logo acabava o último hino, eu dava no pé e me escondia no portão para esperar minha irmã, que, quando estava de bem comigo, procurava fazer o mesmo e fugir às pressas, mais por consideração a mim do que por anseio de resgate.
Esse desgosto se arrastou até minha entrada no colegial. Durante esse período, pouco a pouco fui falhando aqui, falhando ali, reduzindo cada vez mais as idas à congregação. Diferente da minha família (ou de qualquer família da CCB), eu jamais tocava no assunto da irmandade, ou seja: quem tinha casado com quem, quem era do ministério de onde, quem tinha morrido, quem tinha nascido, onde era a obra da piedade. Eu, no fundo da minha arrogância disfarçada, pensava que minha família vivia um anacronismo com ares de hipocrisia, uma vez que tínhamos televisão em casa, o que era supostamente proibido, e que minha mãe e tias eram bem mais vaidosas e joviais do que mandava a norma religiosa. Eu achava mais legal ser como esses católicos que não vão à missa, ou seja, católicos-de-me-convém, e livres para brincar e viver a juventude nos outros trezentos e cinquenta dias do ano, como parecia ser o caso da maioria dos meus amigos. Quando entrei na faculdade, ainda aos 17, as chances de me batizar se extinguiram de vez.
Faculdades Humanas
A Congregação, a meu ver, tem alguns pontos positivos, como a organização social, o sistema de doações e o engajamento em obras de caridade; mas não é um deles a profundidade teológica dos cooperadores e a capacidade de seus frequentadores para estudos e compreensão intelectual das escrituras. Um crente mal formado, desanimado e louco para pular fora do barco dos fervorosos, como era meu caso, recebe no curso de humanas todos os motivos “lógicos” para enfim fazê-lo. Sem falar que os professores de certas matérias fatalmente trazem visões de mundo contrárias ao cristianismo, fazendo até mesmo católicos duvidarem de seus alicerces morais. Sociologia, Psicologia, Antropologia e Filosofia, difícil um que se safe, em especial da retórica inflamada dos professores mais eloquentes, embora mais caducados no marxismo: estes foram os cavaleiros, que me resgataram, do aprisionamento, moral, das amarras, dos costumes, do sistema, e eu pude, finalmente, ver a luz, fora da caverna, e enxergar, a verdade, dos mecanismos, e crenças, que tinham, me moldado, até então, na conformidade, medíocre, frustrada, cerceante, cabresta, de minha existência. Fui logo e enfaticamente conquistado sem oferecer resistências.
Em outras palavras, em poucas semanas eu tinha convicção de que sabia mais sobre Deus do que toda minha família junta. Rompi com a Congregação, abracei Nietzsche como quem revê um amigo de longa data, aceitei O Código da Vinci, Em Nome da Rosa e Zeitgeist como revelações reveladas relevadas e re-veladas à revelia dos reveldes, deixei o cabelo e a barba crescer, comprei roupas da Galeria do Rock, e a partir de então passei a ser um pouco mais ácido toda vez que o assunto Deus caísse à mesa ─ ainda que fosse com ideias tão pueris quanto “se Deus existisse, o mal não existiria”, “a Igreja modificou a Bíblia para controlar os povos”, “se Deus me fez nu, o pudor das vestimentas é apenas um aparato cultural cerceador da verdadeira natureza humana” e “Jesus foi um cara acima da média, revolucionário popular alçado a categoria de mestre iluminado pelas ordens maliciosas ocultas do poder das épocas”.
A minha relação com meus familiares não mudou tanto assim porque, apesar dos argumentos imaginados (todos com base petulante, não teológica), eu não esfregava a torta na cara à toa, nem nunca assumia uma postura realmente bélica e confrontadora. Não era minha intenção ou natureza metralhar a fé de minha mãe, meu pai e meus avós, desde que eles não questionassem a minha saída pelos fundos. Talvez eles já tivessem notado que, após o divórcio, meu interesse pelos cultos tinha se mantido por artificialismos e medos de punição financeira, e que a batalha já estava perdida. “Pelo menos”, talvez eles pensassem, “ele continua uma boa pessoa, inteligente, tirando boas notas, buscando viver a vida honestamente.” Quem mais sentiu meu abandono foi, no fundo, minha irmã, que, na contramão de minha saída, acabou por alguns anos sendo mais presente na igreja até do que minha mãe; uma espécie de compensação que tentava provar superioridade moral, coisas de irmãos.
Meu interesse por religiões se manteve a nível meramente “SuperInteressado”: simplista, arrogante e cientificista, mas bastante eloquente e colorido, acreditando que todo fenômeno religioso poderia ser reduzido em algum grau em conexões sinápticas que nosso cérebro traduzia em fé, visão e crença em milagres. Eu me sentia mais inteligente que qualquer crente, e meus infográficos podiam provar.
Minha entrada no mercado de trabalho criativo, nas agências de publicidade e, é claro, no teatro, onde discussões a respeito de religião não são bem-vindas em virtude dos contradogmas culturais e sexuais vigentes, consolidou meu abandono da fé. Mas, para cada filho, uma educação. E eu tinha meus pontos de esperança para serem explorados pela Graça.
O que alimentou meu interesse pelos mistérios, ou seja, esses pontos que me traziam de volta a atenção ao Divino, foram as experiências intelectuais com simbologia da arte (o mistério da catarse), a simbologia astrológica (o mistério da influência de uma ordem lógica do cosmos em nossas vidinhas), a literatura de Dostoiévisky (até hoje não sei o que li no Crime e Castigo, mas sei que o velho católico me tocou profundamente) e aquela desconfiança típica de quem acredita em teoria da conspiração até o ponto de acreditar que há uma conspiração que alimenta nossa crença em conspirações.
E assim, tive um breve momento ateu sem provas mas com convicções, e uma grande sequência de anos em que eu mantive um mínimo interesse em espiritualidade. O suficiente para não deixar de acreditar em uma força superior, mas nunca a ponto de me fazer ir além das experiências tão racionais quanto incompreensíveis com as quais a arte pouco a pouco me puxava. Um covarde por conveniência; um típico agnóstico.
A arte-colagem do espir(itu)al
Um contexto artístico espiritualmente cativante e que posso dar de exemplo foi ter aulas no mesmo período com dois professores de linhagem religiosa totalmente diferentes. Eu devo ser aquele filho cujo pai ensina dando uma bronca e uma piscadinha, porque (veja agora meus resquícios de simbologia astrológica) Deus comigo parece gostar de fazer valer a minha ascendência em Gêmeos. Explico: “vias opostas, uma só lição”.
Um desses professores foi o professor Roberto Mallet. O mesmo que tinha comentado sobre os quatro elementos na criação de personagens clássicos, e que resgatara em mim a vontade de Astrologia. Sua participação em meu movimento espiritual foi indireta, pois quem me impactou de fato foram meus amigos. Mallet foi um dos co-responsáveis por apresentar a doutrina católica para alguns alunos que fizeram o curso livre de simbologia medieval, que ele ministrava fora do contexto da graduação. Quando alguns desses alunos, meus amigos, se converteram ao Catolicismo, sobretudo quando passaram a agir como católicos de fato (ou seja, católicos-católicos, não os que vão à igreja apenas em batismo, casamento e funeral), inicialmente fiquei boquiaberto. Digo sem margem de erro porque, entre meus amigos de turma, os mais inteligentes e amorosos eram justamente, e disparadamente, aqueles que tinham se convertido. Os outros que me perdoem, mas o nível de conversa era superior. E para mim, cabeção, era um contra senso que aqueles jovens brilhantes de vinte e poucos anos tivessem decidido viver sob dogmas tão anacrônicos, castrantes, machistas ─ era o que eu pensava com as palavras dos professores de Humanas de outrora.
A outra professora, na contramão do católico, era ex-bailarina e uma diretora de teatro pra lá de Era de Aquário. Ela, sim, teve mais influência em mim, por ter sido minha orientadora na iniciação científica. Verônica Fabrini, tida como uma sábia da contracultura, maga, musa e deusa das artes cênicas, notou meus interesses nos mistérios do sagrado e me estimulou a ir um pouco além da minha racionalidade-cabeção. Ela tinha um jeito peculiar de dirigir elencos (dizia até que havia na direção teatral uma espécie de xamanismo cênico), e foi com ela mesma que tive a melhor experiência de montagem da minha vida, meu primeiro Macbeth ─ e que envolveu tanto meus amigos católicos quanto os mais introvertidos marxistas. Aquele espetáculo universitário foi um feito notório, visto que, poucos meses depois de apresentarmos, enquanto eu estava em intercâmbio, ideologias, DCE’s e greves no campus facilmente ditaram as divisões da turma (assunto para um livro). De qualquer forma, ao longo da minha pesquisa acadêmica, Verônica reconheceu minha seriedade no assunto “dos mistérios”, passou a me chamar de padawan e desenvolvemos, anos mais tarde, até uma relação respeitosa de amizade: li seu mapa astral, tomamos café em minhas visitas a Barão Geraldo (poucos tinham esse acesso), e lamentamos juntos a geração barbárica que invadiu as universidades com seus pronomes neutros para negar todo o conhecimento que lhes foi ensinado.
A parte 2 desses “mistérios e símbolos” foi no ano de meu intercâmbio. Meu interesse em solo brasileiro parece ter atraído encontros inexplicáveis no solo europeu. Tive algumas experiências “místicas” (não no sentido católico) que me fizeram crer que, se não eram momentos grosseiramente espirituais, pelo menos eram indícios de que eu tinha tocado alguma membrana limítrofe da matrix.
Certa vez, em uma manhã conhecendo Londres, eu caminhava por uma movimentada rua de um bairro comercial, quando subitamente pararam de passar os carros e pedestres, e não era por semáforo. Olhei para um lado, olhei para outro, e nada de almas. Mas do nada um yôgue muito bem vestido apareceu e puxou conversa, e explicou sobre seu grupo de meditação. Era um Jafar metropolitano. Ele me fez alguns truques, entre eles tirar do próprio bolso um papel escrito com a minha caligrafia; certamente era algum tipo de mágico ilusionista, mas a conversa desandou quando ficou insatisfeito com a gorjeta de cinco libras que eu lhe ofereci. Era o que eu tinha, e até mostrei a carteira. “Any credit card?”, ele perguntou olhando para meu cartão de intercambista. Muita audácia para um guru espiritualizado. Fui educado, despedi-me, obrigado, de nada, e, do nada, assim que ele foi embora, carros e pedestres voltaram a aparecer na rua no ritmo metropolitano esperado para às onze da manhã. Fui hipnotizado? Talvez. Mas não dei meu cartão de crédito e minhas economias da bolsa de estudos, o que me faz crer que mantive-me consciente o bastante.
Em outra ocasião, no meio de uma festa estudantil, um irlandês cigano começou a conversar com o grupo de brasileiros. Vendo que eu verdadeiramente me interessava por saber como era sua vida errante, perguntou se podia ler tarô para mim. Permiti, mas não lembro o que foi dito, apenas que foi uma cena inusitada: ele lendo as cartas que eu escolhia do baralho, num canto de uma apertada cozinha onde rolava o preparo de bebidas para uma abarrotada festa do condomínio universitário. Antes de partir ele me presenteou com um livro: Antônio e Cleópatra (em algum momento eu dissera que gostava de Shakespeare). No dia seguinte, embora a festa tivesse sido particular e fechada apenas para quem tinha acesso ao prédio, ninguém dos presentes além de mim se lembrava da figura misteriosa. Nunca mais o vi, mas tenho o livro comigo.
Esta agora poderia ser contada sob as lentes do amor, mas a história a seguir terá conotação de mistério. Uma vez me hospedei na casa de um inglês protestante; o preço da estadia era grátis, desde que eu me comprometesse a ir ao culto da igreja onde ele fazia trabalho pastoral. No dia do culto, que era domingo às 18h, tudo deu errado. O musical que assisti após o almoço atrasou no começo; no intervalo atrasou um pouco mais; o ônibus que eu pegaria até a igreja estava atrasado; uma das linhas do metrô estava operando com capacidade reduzida; tudo emperrou naquela tarde nada britânica. Era realmente inédito: parecia que eu tinha ganhado no bingo dos contratempos, e aquelas justificativas de atraso seriam verossímeis no Brasil, mas não em Londres. Vendo que não daria tempo de ir ao culto combinado, enviei um SMS ao Richard pedindo desculpas e prometendo um retorno em outra ocasião para cumprir o acordo. Estava falando sério, mas, naquela noite, já era. Ao menos agora eu tinha o resto do domingo livre. Somente um espetáculo na região ainda tinha day-tickets, que são os ingressos baratos vendidos poucas horas antes da apresentação. Era o Miss Saigon, um ballet no English National Opera. — Aconteceu: a fila acabara de se formar para a venda de apenas dez bilhetes. Uma loira bonita, que eu diria ser nórdica, não fosse sua baixa estatura, estava atrás de mim na fila; como notei que ela também estava no caixa perguntando pelos day-tickets, e sozinha, torci para que eu pudesse vê-la de novo. Aconteceu: ela estava sentada justamente ao meu lado nas poltronas da plateia. Então torci para encontrar uma brecha, uma coragem, um pretexto para puxar assunto. Aconteceu: ela mesma perguntou se podia trocar de lugar comigo, já que a pessoa da frente era muito alta. Tudo facilitou para conversarmos após o espetáculo. Quinze minutos depois em inglês fluente, já em direção a um café na Trafalgar Square, where are you from, aconteceu: éramos ambos brasileiros. E assim nos apaixonamos. Podia ter sido mera coincidência? Podia. Mas ela estava passando por algo muito parecido comigo (a solidão do brasileiro artista entre brasileiros não artistas) e, em nossas dores, encontramos conforto. A capital britânica precisou combinar atrasos generalizados em série para que eu estivesse naquele momento, naquela fila, naquele dia, naquele espetáculo, naquele assento, e com aquela pessoa, que também tinha saído sem rumo naquela noite torcendo para ter um mísero ingresso naquele balé. Outras coincidências muito misteriosas foram se revelando na intimidade, mas o que disse já basta. Os esforçados anjos da guarda tiveram um empenhado trabalho logístico para que aquele encontro pudesse acontecer na hora que precisávamos. E realmente a gente se olhou por alguns dias como se fôssemos presentes do céu. Embora a história de paixão tenha durado pouco tempo, durou o necessário, enquanto nos vimos por mais um mês, até ela voltar ao Brasil.
Na Inglaterra encontrei livros que pareciam ser exatamente o que eu precisava para unir ocultismo com direção teatral. Eram títulos sobre a ordem Rosacruz e sua suposta influência em Shakespeare; sobre os códigos mágicos cifrados em suas obras mais misteriosas; e sobre a maçonaria no teatro elizabetano. O mais popular desses livros, A Arte da Memória, que inclusive citava a arquitetura do Globe Theatre da companhia de Shakespeare, foi escrito por Giordano Bruno, aquele famoso entre anti-católicos por ser algum tipo de mártir nas perseguições de uma das inquisições. Importei todos o livros, embora não tivesse a capacidade de verificar a confiabilidade de suas fontes.
Ao final do intercâmbio eu estava vislumbrado com minha experiência europeia e já começava a cogitar um retorno, dessa vez a trabalho ou a projeto de mestrado futuro. Mais ainda: eu estava encantado com essas e tantas outras “sincronicidades” que pareciam sinais de um chamado a uma espiritualidade mais atuante. Minha amiga do teatro, a Larissa, que encontrei em Berlim em minha última parada antes de retornar ao Brasil, me estimulou a escrever um projeto de residência artística com outros atores alemães com quem ela tinha mais contato por causa de um assunto novo de interesse em comum ao grupo: a Física Quântica nas artes.
(O assunto me pareceu fazer todo o sentido em termos de “sincronicidades do universo” devido a um episódio de sete anos antes. Naquele fatídico dia de 2006 em que o PCC deu toque de recolher para a capital paulista e colocou o governador Geraldo Alckmin de joelhos, todos na empresa que eu trabalhava se organizaram para ninguém precisar voltar para casa nos abarrotados trens. Um funcionário terceirizado, que eu nunca tinha visto, e que naquele dia estava sentado a quatro baias de mim, anunciou sua ida para Osasco, e acabei pegando a carona. Sujeito quietão, gente boa, tinha uma trilha sonora de rock progressivo muito avançado para meus conhecimentos restritos a Pink Floyd e Dream Theater. No chão do seu carro havia um livro de Física Quântica, que ele me explicou bem por cima. Não deu tempo de entender o que era porque Osasco tinha chegado, e nos despedimos. No dia seguinte do trabalho, encontrei um DVD do filme Matrix na minha gaveta. Perguntei se alguém tinha perdido ou se enganado de mesa, e se a faxineira sabia de alguém reclamando o item. Nada. Ninguém. Era meu mesmo; presente provável deixado lá pelo sujeito da Física Quântica, como o Hector Bonilla quando presenteia o Chaves com uma bola. Mas que horas ele tinha feito isso, se ele ainda não estava em sua baia no dia que notei o DVD? E agora vem o mistério: ele nunca mais foi visto no Submarino; e ninguém sabia quem era ele, quando eu o descrevia em investigação. E, além desse caso, um outro sujeito simpático e inteligente no meio de uma festa de um sítio me apresentou o Caibailion, o livro que revela “as sete leis do universo”, base de muita gnose. Essas coisas só aconteciam comigo, e, de repente, em Berlim, 2013, com minha amiga de Recriarte, estávamos falando sobre assuntos que sempre bateram à minha porta e pesquisando sobre artistas que traziam o divino misterioso para a arte.)
De volta à terrinha que tudo dá, meu primeiro ano envolveu muitas horas-tube de palestras sobre o assunto, especialmente quando envolvia abordagens espirituais, como aquelas listadas no texto da parte 4 (Hélio Couto e cia.). Ao mesmo tempo, a parte final de minha iniciação científica finalmente entrava na prática, o que me deu um ar de “magão” ao dirigir o meu primeiro grupo de atores com os comandos elementais que eu havia sintetizado.
Antes do intercâmbio eu já gostava de David Lynch, um diretor de cinema que faz filmes com altos graus de surrealismo. Mas só depois de voltar ao Brasil eu descobri Twin Peaks, uma série televisiva fictícia dos anos 90 sobre a investigação de um assassinato. O gostoso da série é que, a cada capítulo, ela ganha ares de sobrenatural. O episódio 22 da 2ª temporada é uma obra de arte, mas é preciso trilhar todo o caminho dos 29 episódios anteriores para deixar o inconsciente trabalhar na recepção daquelas imagens. Fiquei apaixonado pelo título e comecei a me interessar por cinema com cunho espiritual-transcendental, como os filmes A Árvore da Vida e Cloud Atlas (o melhor filme espírita que não se diz espírita), ou a amarga série Dark e a adocicada série Touch (uma espécie de 24 Horas, só que “do bem”). Descobri que o diretor lançou um filme com o mesmo nome Twin Peaks. No desdobramento da história, algumas pontas são amarradas, enquanto outras são exploradas de forma inédita. Tem uma hora que ele simplesmente te pega desprevenido em uma suspensão de maravilhamento. É a cena que, na minha opinião, melhor traduziu em audiovisual o efeito de um arrebatamento angélico. Zero efeitos especiais. — Arte com espiritualidade e catarse era tudo o que eu estava buscando. Aquela cena não só marcou minha bagagem cultural, como influenciou a forma como meus sonhos, sempre cinematográficos, seriam a partir de então.
Por isso fui atrás de descobrir mais sobre esse diretor e seu método criativo. Ele é um grande entusiasta da Meditação Transcendental, que inclusive é um sistema ensinado por institutos espalhados pelo mundo. Existe até mesmo uma universidade no Iowa, EUA, cujo patrono é o próprio Lynch; lá ensina-se a técnica e incentiva-se a meditação de 20 minutos por dia em horários marcados ao mesmo tempo em todo o campus. Descobri a sede do instituto em São Paulo e paguei o alto valor do curso para aprender a fazer a tal da meditação. De fato os resultados em bem-estar são notáveis, mas, como disse nas partes anteriores, isso não trouxe o sétimo sentido para minhas finanças, e aquilo era frustrante. Frustrante porque eu era inspirado, mas não parecia ter o controle de quando as coisas aconteciam. Eu queria ter contato, mas não sabia como forçar esse contato.
Eu só não estava mais frustrado porque, de vez em quando, certas inteligências pareciam me alcançar em pensamentos inspirados sabe-se lá de onde. Então, de alguma forma, as coisas estavam se alinhando no cosmos naquele momento de aprendizado, e tudo que eu precisava fazer era ter um método, uma constância, e quem sabe um credo a ser seguido.
Claro, ter fumado um beque diariamente por dois anos inteiros colaborou com essa percepção. Mas tinha coisa que era certeira demais para ser viagem. Certo dia, fazendo um simples yoga sozinho com respirações controladas, mentalizando chakras do corpo e ouvindo uma boa música de 432 Hz de frequência, eu tive um insight que talvez fosse do tantra. Ou talvez fosse apenas safadeza com aroma namastê. Por via das dúvidas, coloquei em prática. Apliquei aquele ideia aparentemente baixada do astral durante uma noite com a menina com quem eu estava saindo na época, e o download provou ser eficaz, não um devaneio. Nas palavras da própria garota, “uma surpresa transcendental”. Era um baita elogio para colocar no currículo, e misterioso demais para ser ignorado. Mas de onde vinham aquelas ideias?
Eu até procurei na internet, mas não encontrei quem falasse a respeito daquele toque específico que eu havia, em último caso, inventado. A força canalizadora do universo ou meu anjo-parça-da-guarda (se é que era “da guarda”) finalmente parecia estabelecer contato, e eu me sentia, embora de forma peculiar, cada vez mais espiritualizado.
─ “Mas sem religião”, completava toda vez que me perguntavam.
Substantivo encarnado
Tudo que é “Nova Era” uma hora toca ou faz intersecção com religiões animistas ou encarnacionistas, como o neoxamanismo, o universalismo ou mesmo o espiritismo. Logo, comecei a me interessar de forma mais prática pelas religiões não-cristãs. “Todas religiões trazem um pouco de verdade”, eu afirmava sem perceber a obviedade que existe no fato de que até mesmo um mentiroso profissional precisa esconder suas mentiras em um punhado de verdades.
A brasileira que eu conhecera no ballet naquela noite de atrasos em Londres deixou uma marca importante. Por ela ser umbandista, e caminhava para se tornar mãe-de-santo, eu senti vontade de me aproximar daquela coisa enquanto mantive contato, mesmo à distância. Quis saber qual era meu orixá de cabeça, mas ainda não estava à vontade para jogar búzios. Preferi estudar o panteão umbandista (seus orixás) e os princípios desta que é tida como “religião totalmente brasileira”. Meses mais tarde, comecei a frequentar um centro espírita. Por pouco não entrei no grupo de mentoria mediúnica. Devorei a tetralogia básica do kardecismo.
De Alan Kardec, através dos círculos sociais da elite europeia do sec. XIX, conheci Helena Blavatsky e a Teosofia. Visitei algumas aulas de um grupo teosófico no bairro da Aclimação, São Paulo. Retornei à umbanda e visitei diversos centros da capital, dos mais riquinhos aos mais cracoleiros. Conversei com entidades e fui convidado para falar com Exu Capa Preta em uma gira de esquerda. Em geral os mentores diziam que eu emanava uma sabedoria, com humildade, respeito, maturidade e tolerância sobre as religiões, e isso me abria portas; por isso, mesmo sendo leigo e cara nova nos espaços, pude ouvir certas rodas mais restritas (ah, Vaidade!… Mãe e portal de desvios.) Por fim, também estudei a umbanda com aulas e palestras de um sacerdote do Ipiranga, mas li apenas duas obras de romance e uma de teologia magística da Umbanda.
Já que a coisa toda parecia uma espécie de magia sincrética, por que não estudar ocultismo com uma galera que manjava de magia branca? Assim, me aproximei de um grupo que orientava quais comidas certas deviam ser ofertadas em rituais do Sabath, além de ensinar a consagrar varinhas, encantar espelhos, decifrar Alister Crowley, ler tarô e desmistificar o preconceito sobre religiões que prefiro não citar. Como a arte sempre é uma porta de entrada mais atraente para minha personalidade, preferi molhar os pés nesse universo por meio da literatura. Sir Arthur Conan Doyle é autor do maior levantamento de manifestações mediúnicas de seus tempos nos EUA e Inglaterra, além de criador do Sherlock Holmes; H. P. Lovecraft é um saco bem superestimado; Urantia não tive coragem de terminar pelo tamanho do calhamaço; do Paulo Coelho só consegui ler a biografia ocultista; o melhor título que tive em mãos nessa busca por literatura foi um livro “canalizado de Emmanuel” sobre Paulo (de Tarso) e Estevão; a maioria dos livros espíritas eram mal escritos; mas gostei (e me caguei de medo) na série de livros da editora Casa dos Espíritos que explicam a ligação entre os sanguessugas do astral e o sistema político globalista.
Também conheci um escritor de qualidade duvidosa que se proclamava mentor espiritual da linhagem de Akenaton. Sua esposa tinha um jeito de coach empresarial, dondoca imascarável. Tudo exalava charlatanismo, até a linguagem de segredinho em seus grupos de Whatsapp. Mas o suposto mentor-escritor teve seus acertos. O que me convenceu de pagar seu curso presencial (“Desbloqueio de Memórias Akashicas”) foi que algumas das coisas que ele disse aconteceram meses depois. Por exemplo, em 2018, ano do encontro presencial, ele avisou que em 2020 o mundo entraria em colapso e que o medo seria utilizado pelos governos e indústrias de biotecnologia para acelerar a quantidade de pesquisas sobre inserção de chips no corpo das pessoas através de vacinas obrigatórias. Estávamos em uma guerra espiritual e era hora de escolher seu lado. O que ele dizia ser um “segredo para os despertos” batia com boa parte do que eu lia nos outros autores de canalização, que supostamente tinham contato com os mortos, e que vagamente acertavam a descrição das metodologias de terror midiático utilizadas por ordens secretas para ampliar o domínio sobre as massas.
Cheguei até a me oferecer para transformar uma de suas obras em roteiro cinematográfico, já que eu adorava teorias da conspiração. Por algum motivo jurídico de direitos autorais não esclarecido, ou por algum aviso do seu mentor egípcio desencarnado que talvez tenha dedurado em seu ouvido minha desconfiança a respeito do caráter do pseudoescritor, ele acabou dando pra trás e nunca mais entrou em contato. No fundo, foi um livramento, e digo isso por três motivos (se é que você, que está lendo, já não os colecionou).
Primeiro, o dito escritor bloqueava todo tipo de questionamento que surgia em seu grupo. Questionou? Bloqueei. Simples assim, porque aquele grupo era para despertos, não para os sonâmbulos agentes petistas da discórdia. Supostamente a tática era inspirada em The Walking Dead, que era uma metáfora contra o sistema sobre o que estava acontecendo nas ideologias do planeta. Palavras dele.
Segundo, porque no encontro presencial ele revelou que Bolsonaro era a encarnação de D. Pedro I. Nosso imperador imbroxável estava com o dharma de ser achincalhado pelos danos cármicos causados no século XIX à nação brasileira, que agora estava destinada pelas legiões de Cristo a ser capital espiritual do terceiro milênio com parceria dos Estados Unidos e de Israel, respectivamente o centro financeiro-bélico e o centro tecnológico-tradicional da tríade. Bolsonedro I também deveria pavimentar a retomada da monarquia até encaminhar a sucessão de seu trono a sua filha Beatriz, a “fraquejada”, que por sua vez era a encarnação da Imperatriz Leopoldina, e prepararia o planeta para o retorno de Cristo quando 33.33% da população finalmente despertasse. Legal, só esqueceram de avisar a família.
O terceiro motivo para mim é o maior sinal da farsa: sua escrita era sofrível. Assim como 99% dos livros espíritas, que descrevem os sentimentos humanos de forma binária, ou seja, ou uma felicidade indescritível, ou uma tristeza profunda, que nem a novela Malhação é capaz de superar em pobreza. Podem me dizer que há uma legião de espíritos por trás dessa cambada; não importa: se entre eles não houver um único desencarnado com mínimo senso literário, pra mim já é prova cabal de falsidade, pois, afinal, os “registros akáshicos” de todo tipo de conhecimento e habilidades, incluindo as de Camões, Fernando Pessoa e Machado de Assis, estão aí “na biblioteca astral” ou nos telecursos de Fausto para fazer download e serem usufruídos. Se o homem medieval foi capaz de construir uma catedral e escrever um Lusíadas, e se um mentor egípcio que viveu com Akenaton é capaz, milhares de anos depois, de “falar” a língua portuguesa para ser compreendido por seu mentorando nas disseminações de suas profecias, então, eu decreto: escrever mal é inaceitável. “Estética ruim, ética pior” ─ um dos melhores aprendizados que o estudo das artes me deu como escudo nessa jornada da espiritualidade-salada.
Mas de todas as experiências em busca do contato com o divino, nenhuma me levou tão longe quanto a Ayahuasca (entenda esse “longe” como quiser). Eu tinha vontade de experimentá-la desde que assisti a psicodelia do Jim Morrison no filme The Doors. Mas eu tinha meus critérios: não podia ser perto de penhascos, piscinas e objetos cortantes. A vontade ficou latente por mais de uma década, e somente com trinta e poucos anos a ocasião se apresentou. À essa época, eu já tinha conhecimento o bastante para ir atrás de cerimônias ritualísticas e não cair em golpes. Além disso, eu detesto passar mal do estômago; portanto, se fosse para vomitar, como a maioria dos relatos de quem tomou o daime, que fosse para passar mal com gente que não me abandonaria na moita. Em resumo: eu precisaria de um grupo que organizasse a cerimônia de consagração da ayahuasca de forma séria, segura e comprometida, não com essa molecada que arranja a bebida na aldeia mais próxima da quebrada e chama os amigos para ficar doidão no sítio.
Dos contatos feitos nessa jornada toda, duas pessoas comentaram sobre um local que eu, Claucio, com toda minha exigência, poderia ficar seguro para experimentar. Como eram duas pessoas que não se conheciam, aceitei aquilo como sinal dos céus de que eu estava finalmente preparado. O relato de como foi minha primeiríssima experiência foi escrito em 2017 e você pode encontrar aqui (não repare a diferença de estilo, de crenças etc. — nota-se ali um esquerdomacho poético em processo de desconstrução).
De 2017 eu pulo para final de 2019; esse miolo de dois anos você pode preencher com qualquer uma dessas experiências descritas até agora, pois não as listei por ordem cronológica. Basta saber que, além daquela minha estreia com o “chá das almas” em 2017, tive mais três experiências em 24 meses. Elas apenas não foram tão relevantes como as outras mais de vinte ocasiões que aconteceram de 2020 em diante.
A partir de agora a coisa fica um pouco mais séria. Perceba que nesta parte biográfica detive-me em mais detalhes, e fiz assim porque somente dando muitos deles eu poderia transmitir com fidelidade as impressões sobrenaturais das quais participei. Focarei nas principais, dando ênfase naquelas que conduziram minha percepção até Cristo, que não tinha abandonado no meio da floresta esta ovelha que vos fala.
Na véspera do ano novo, virando para 2020, eu e duas amigas procurávamos um local perto de São Paulo para passar o Reveillon “na força”, ou seja, sob os efeitos da Ayahuasca. Elas também já conheciam a bebida e sabíamos como detectar se um centro é sério ou charlatão. Falamos com cinco dirigentes de locais diferentes, e acabamos escolhendo uma casa universalista que ficava na zona leste de São Paulo. Nosso critério de escolha foi a atenção honesta e a resposta dada às nossas perguntas. “De qual das espécies da planta era feito o chá? Qual a concentração? Qual a dosagem? Quantas vezes era obrigatório tomar?” Coisas básicas, mas que ninguém além deles dignou-se a responder sem dar carteirada de guru. O espaço era, nas palavras de seus dirigentes, consagrados a Iemanjá, Arcanjo Miguel e Hecate. Eu não sabia, mas isso já era um spoiler.
Ahayuasca e expressões
A casa fazia justiça a alcunha de universalista. Honravam muitas religiões e tinha altares para os mais diversos panteões. De Oxóssi da umbanda a Osíris do Egito, de Freya nórdica a Hanumã hindu, de Miguel católico a Morgana celta, do Flecha-Branca da mata ao Grande Espírito das estepes. Por onde olhava, fosse nas salas, salões, cozinhas, corredores, quintal e passagens, havia referências de gnomos a dragões, de animais do xamanismo norte-americano aos índios brasileiros, de pó de fada aos rapés de pajé, de vassouras de bruxa a adagas ciganas, de canto dos terços ao canto dos ebós, do reiki tibetano ao benzimento com fumo de preto velho, dos florais magnetizados aos cristais de cura, fora, é claro, as runas, as conchas, as cartas de tarô e os diversos tipos de leitura de futuro. Jesus, tido como mestre governante da humanidade no nível da Terra, estava lá no meio como integrante do sexto raio da Fraternidade Branca, da qual faziam parte também Saint German no sétimo, Arcanjo Rafael no quinto e El Morya no primeiro raio. A mensagem principal que a casa promulgava era a de que todas as religiões ali eram bem-vindas desde que promovessem o amor e a evolução da humanidade, e não a segregação e os dogmas comportamentais. Eu não queria ser o primeiro a levantar a mão, mas o senso de certas hierarquias não estava muito claro.
Todos os altares, todos os espaços, todos os cantos, todas as plantas do quintal, tudo parecia ser cuidado com muito amor e carinho, e era nítido que a manutenção do local em seus detalhes levava pelo menos metade da semana inteira do casal dirigente, que também morava no espaço. O esmero era evidente. Embora eu não conhecesse ninguém ali, senti-me bem-vindo desde a chegada. Era frequentada majoritariamente por uma galera com média de vinte e cinco anos, cheio de recém-saídos da adolescência, e alguns mais maduros, mães e pais. Entre esses, os dirigentes da casa tinham na faixa dos quarenta e tantos. Para o Revéillon levamos comes e bebes não-alcoólicos; eles seriam compartilhadas somente após o ritual, ou seja, no raiar do dia. pois não se come antes nem durante a cerimônia de Ayahuasca. Encontramos um canto para estendermos os colchonetes e utensílios, cada um no seu espaço. Eu estava de calça branca, bata branca, barba e cabelos longos soltos, e alguns brincaram dizendo que Jesus também viera celebrar junto a eles. Não sei se foi por essa semelhança “fenotípica” — ou por ser um bonitão quieto na minha, se comparado à concorrência barulhenta e esteticamente mediana dos homens héteros daquela turma —, mas, sem eu ter feito muito esforço, nem ter puxado muito assunto, as pessoas criaram simpatia por mim. Em certo momento, duas “bruxinhas” (mulheres de vestimenta preta, maquiagem pesada, tatuagens de cobra nos braços, mechas roxas no cabelo de ébano, baralhos de tarô e tiaras de quartzo) elogiaram a minha aura. “Você é bonito, você tem uma… luz!” Vindo de duas garotas trevosas, me pareceu, digamos, convincente. Ou então era o clássico apelo à vaidade, e eu tinha certa consciência disso. E mais um comentário aqui, outro ali, comecei a pensar que talvez eu tivesse algo especial no meio espiritual da Ayahuasca.
A passagem de ano foi ótima, e fui embora certo de que voltaria mais vezes. Eu tinha novos amigos! De janeiro até março, antes do c0v1d explodir no Brasil, fui àquela casa em quase todos os domingos.
Cada cerimônia era dedicada a uma entidade ou panteão. No primeiro domingo, foi para São Miguel; no segundo, para divindades africanas; no terceiro, para Oxóssi. Depois para Freya, Brigite, Exú, Pombagira, Odin e Hecate, e então a p4nd3m!a pausou os trabalhos.
Uma das coisas que me encantou no local foi a escolha da trilha sonora para as cerimônias, que duravam de cinco a seis horas. Em cada domingo a sequência musical era diferente, curada e planejada para cada momento, sempre inspirada pelo universo trazido pelo panteão ou pela semelhança arquetípica que a entidade representava. O dirigente da casa vendia a trilha por um valor simbólico, e eu comprei muitas de suas listas para renovar meu acervo musical.
Comecemos a falar do que houve comigo na força.
O que mais me chamou atenção nos rituais foi que meus processos eram muito intensos e independentes, porém sempre muito interessantes para terceiros observadores; a observação de meus “trabalhos” às vezes eram objeto de aprendizado para os que estavam tentando se tornar mestres ayahuasqueiros; era o que me falavam.
No rito de São Miguel, em um certo momento a “força” me pegou tão de jeito que eu me sentei sobre uma pedra, encolhi-me nela e não consegui mais sair por quase três horas. De olhos fechados, eu abria a boca apenas para pitar o tabaco com o cachimbo (pitar tabaco abaixa a pressão e permite ao efeito da Ayahuasca chegar mais rápido). Dentro de meu corpo eu imaginava a substância espiritual curando meus medos, resgatando memórias, ressignificando meus traumas. Cada música que tocava nas caixas de som parecia me guiar através da harmonia de suas notas; um mistério por trás de um caleidoscópio sensorial. Minhas pernas pareciam ter se tornado a própria rocha, e eu já não sentia meus membros, nem meus pulsos, nem o gosto da minha boca, apenas a respiração que parecia carregar de energia os micro movimentos cósmicos que eu observava acontecendo dentro da sopa que era meu corpo e meus pensamentos. Em nenhum momento fiquei receoso do que estava acontecendo comigo; eu apenas me entregava. Em certa hora, minhas mãos, penduradas pelos punhos, começaram a se mexer ao que parecia ser um comando que vinha anterior ao meu pensamento; os dedos moviam-se como mãos de velha enfermeira abrindo feridas e costurando de volta os tecidos, tudo em câmera lenta e amorosa. Minha consciência auto observadora e os gestos de minhas mãos estavam desassociados; eram duas entidades: uma que fazia, e outra que aprendia assistindo; cada gesto parecia querer me ensinar alguma coisa. E essa coisa eu só sabia decodificar por causa de toda minha bagagem anterior nas artes, no teatro e nas simbologias. Quem quer que estivesse guiando minhas mãos, estava demonstrando algo a nível arquetípico. Se fosse um anjo da guarda, ele sabia exatamente a minha língua. Perceber isso me emocionou a ponto de paralisar em contemplação; por um momento, a única parte que mexia no meu corpo retraído em si mesmo era, além dos dedos independentes, as lágrimas em série que rolavam de dentro de minhas pálpebras fechadas e se cristalizavam na barba de meu queixo.
Quando a força passou, a cerimônia tinha acabado de encerrar e ouvi comentários vindos da roda de pessoas. “Acho que ele voltou, está se mexendo”. Era de mim mesmo que falavam, e parecia ser um assunto geral das dezenas de pessoas ali presentes. Abri meus olhos, as pessoas sorriram pra mim, me levantei, e bati a cabeça em algo. Alguém tinha fincado um guarda-sol no solo, bem rente ao meu lado, e deixado aberto para me proteger da chuva. “Que chuva?”, perguntei, para riso da geral.
─ Mermão, a gente passava do seu lado e sentia uma energia irradiando.
─ Te perguntei se estava tudo bem, e você fez um esforço tremendo, mas levantou o dedão pra cima e sorriu.
─ Então estava.
─ Estava.
─ Aí começou a chover e você foi o único aqui de fora que não se mexeu.
─ Coloquei o guarda-sol e te deixei nos seus processos.
─ São Miguel foi forte contigo, hein. Pai do céu, que energia!
Eu ouvia aquilo tentando entender a reação das pessoas. Era curioso saber o que tinha acontecido olhando de fora, mas não estava muito surpreso, mesmo por não ter sentido a chuva, tão concentrado que eu estava “nos meus processos” com a Ayahuasca. Dava-me, na verdade, um sentimento de gratidão. Esta era a sexta vez que eu consagrava, e, desde quando dancei (ou fui dançado) por quatro horas seguidas, foi a primeira que eu me senti uma marionete de algum diretor teatral do astral que estava escrevendo com meu corpo uma mensagem de aprendizado que eu deveria guardar comigo. Mas, diferente da dança de 2017, dessa vez foi algo mais sutil, observável em seus detalhes, e que me deu uma sensação de intimidade com quem quer que fosse o guardião (se é que era guardião) que tinha assumido os movimentos do meu corpo.
Então é claro que eu tinha decidido que iria voltar e voltar, e voltar e voltar. Eu nunca estive tão próximo de vivenciar uma espiritualidade dos sentidos tão benevolente.
No ritual de Oxóssi, senti um enjôo chegando, um tremelique. Em vez de buscar o vômito, fiquei de joelhos e coloquei a minha face quase colada à grama para respirar o aroma da terra. Pouco a pouco fui sendo tomado por uma vontade de ficar na posição como uma onça que bebe água no lago. O enjôo era intermitente, vinha e ia, vinha e ia, e a cada quatro vezes que vinha, eu precisava respirar o mais fundo possível e soltar o ar de forma, digamos, teatral. Uma vez, duas vezes, três vezes; na quarta, rrrrrrrr, eu emitia um som gutural para, com a boca bem aberta e a língua pra fora, numa espécie de arroto mudo mas dramático, expelir o gás da fermentação de meu estômago conforme aquele rugido comedido passava garganta acima, e me fazia eriçar os pelos até das falanges dos dedos do pé. Depois de repetir o ciclo dezenas de vezes, arrotando como gárgula arrepiada, cada vez fazendo uma espécie de careta diferente, a onça foi embora. Sentei, pitei um tabaco, e precisei me levantar devido à pressão baixada (o que é irônico, costuma ser o contrário, pitar apra baixar). Em vez de ficar como uma pedra, como naquele rito de São Miguel, eu paralisei de olhos fechados diante da fogueira, e em certo momento senti o corpo todo tomado de espasmos muito miúdos, especialmente quando era lambido pelo calor da labareda imprevisível do fogo. ─ “Bruxão, você, hein?”, ouvi no final da cerimônia. ─ Não sei se era verdade que eu tinha alguma espécie de capacidade sobrenatural desse tipo. Afinal, uma hora eu era luz, outra hora eu era mago, outra era pedra, onça, gárgula. Faltava coerência, mas segui interessado em descobrir as diversas facetas dos resultados do transe, sem medo de trocar ideia com os seres da floresta que saíam à lua cheia.
A foto que tiraram de mim no ritual dos exús e pombagiras é emblemática. No centro, eu, alto, cabelo comprido e solto, olhos fechados, segurando um longo cachimbo, vestindo, na parte de cima, uma camisa preta da seleção inglesa de rúgbi, que tem o desenho de uma rosa como brasão, e na parte de baixo uma saia longa, quadriculada, de mais de dez cores, que eu comprei num carnaval de São Luiz de Paraitinga, onde a vestimenta é típica. Parecia assumir o figurino das polaridades masculino-feminino, esportista-artista, ogro-desconstruído, lindo-tosco. Em torno de mim, cinco ou seis mulheres vestidas de forma aciganada dançavam girando e girando, de forma a saírem borradas na fotografia. É como se a energia circular feminina girasse em torno do ereto; as mulheres em torno do homem, a saia rodada por baixo da camisa de time, a rosa sobre o negro, e um cachimbo fálico do tamanho de uma espingarda.
O momento registrado não apenas captura a extravagância incógnita do homem em questão (reconheço a figura que sou), como retrata um momento quase exato àquele que é um dos maiores mistérios para mim nos rituais de ayahuasca. Naquela ocasião, novamente eu estava “sendo conduzido” e dançava de olhos fechados. A trilha sonora dividia a cerimônia em partes, mas ninguém sabia qual era o roteiro musical. Da mesma forma que eu sentia algo conduzindo minhas mãos, cotovelos, joelhos etc., também sentia que podia antecipar o fim das canções. Ao final de uma canção em específico, eu percebi que meu momento de baile tinha acabado e era urgente que eu picasse a mula. Não foi uma voz, mas um “saia já” que conduziu meus pés, plexo peitoral e nariz direcionado, com uma convicção que rompia a fluidez na qual eu estava surfando até aquele momento. Sem um só segundo de racionalismo debatendo se era viagem minha ou de fato um empurrão misterioso, eu imediatamente me retirei. Assim que eu pisei fora do espaço da dança ─ literalmente quando a sola de meu pé tocou a grama — houve uma sincronia com a primeira nota da música seguinte. Que era um ponto de pombagira. Na hora, olhei pra trás, vi a mulherada fazendo lalalalalalalalala, e sorri. Eu não entendo nada de pombagira, mas eu soube que aquele comando de retirada tinha vindo de algo além de minhas vontades: “Podeis respeitar, e poderão te respeitar, mas desta egrégora tu não compartilharás”. Minha consciência e comando corporal foram retomados e eu passei o resto da noite contemplando o que tinha acabado de acontecer.
Em um dos rituais eu ganhei uma rifa. O prêmio era uma sessão de búzios com o pai de santo que frequentava a casa. Dessa vez eu estava preparado. Melhor ainda saber que toda a consulta seria feita sob efeito da ayahuasca, inclusive o babalorixá. Descobri quem era meu primeiro e segundo orixá, e o terceiro não foi revelado. Mas o que eu fazia com aquela informação? A primeira coisa, disse o pai de santo, era um ebó, nome dado à oferenda de comidas específicas do orixá em uma bacia de argila, além de dinheiro. Depois, seria entrar em contato com a energia do orixá comendo inhame, mandioca e batata-doce ─ aparentemente meu orixá puxava ferro. Como não havia sacrifício animal, topei. Dias depois, comprei as comidas, dei a grana, orei com o sacerdote diante do altar umbandista e pronto. Afinal, o que eu tinha a perder? Também trouxe o inhame à minha dieta, e descobri ser uma delícia quando frito em fatias finas no airfryer com um fio de azeite e orégano.
Passei a fazer vitamina de tubérculos para tomar após os rituais, e disso veio outra experiência à mesa da comida. Quando as cerimônias acabavam, as pessoas costumavam se reunir para compartilhar quitutes trazidas para a partilha; um banquete pós-cerimônia. Alguns ficavam pitando tabaco em torno da fogueira e jogando prosa fora. Eu, não: eu ia pro rango, oh yeah! Mas eu só podia comer se a sensação “da força” tivesse passado; do contrário, era vômito certo. Além das seis horas de cerimônia sem comer nada além de uma mordiscadinha de melão, antes do ritual é necessário vir em quatro horas de jejum, e de preferência com um café da manhã apenas de frutas. Ou seja, quando chegava sete da noite, na mesa da partilha, eu já estava voraz de fome e sede, um jejum de mais de 12h, e precisava me conter para não detonar em uma pratada a torta de frango trazido pelo colega. Como eu transpirava muito, sempre trazia um litro de água de côco, metade do qual eu matava num só gole. Também era comum trazerem comidas com potássio, como a banana, pois ajudava a “aterrar” o irmão de volta à realidade material. Eu, por garantia, já tinha aprendido que maçã é boa contra enjôo, então trazia algumas. E mais bolacha de água e sal, para forrar o estômago antes da fartura. E a paçoca, para dar aquela energia. E um biscoito de polvilho, pra mastigar no caminho de volta pra casa. Isso tudo já era costume. Quando soube do cardápio específico do orixá, no domingo seguinte levei uma vitamina para ver o que dava. E sim, eu descobri o que dá. ─ A força já tinha passado, então tomei a água de côco quase toda de uma vez, comi a maçã e a bolachinha. Pronto, hora do golão de vitamina, uma maçaroca de inhame cozido com beterraba e suco de limão batidos no liquidificador. Em questão de segundos, bomba! A “força” subiu à cabeça e tudo começou a rodar sob aquelas fortes luzes da cozinha. Precisei ir ao pátio respirar fundo e ficar de boa, para os efeitos baixarem de novo. Mas o “bis” da ayahuasca terminou por sendo um show de barzinho e violão estendido nos camarins: tranquilo, mas insistente. A coisa simplesmente não passava. Quando deu dez horas da noite ainda não tinha terminado o último fiozinho da sensação, e aquela hora de domingo era muito escassa de ônibus, além de cara para um táxi que atravessaria São Paulo de leste a oeste. Precisei dormir ali mesmo na casa, junto com outras pessoas “que não voltaram logo” (não se aconselha pegar as ruas sob nem mesmo o mínimo efeito da planta). Eu não estava preocupado, mas, se eu precisasse estar em casa de qualquer forma, teria ficado bem ansioso.
E foi nessa casa de ayahuasca que eu passei todos os domingos do primeiro trimestre de 2020, cada vez aprendendo algo novo e parecendo me aproximar da espiritualidade que eu tanto almejara.
Quando a p4nd3m!a estourou em São Paulo, os rituais foram suspensos até que a prefeitura liberasse os agrupamentos. Fiquei tranquilo, pois já morava sozinho, mas senti falta daquele tipo de compromisso dominical que eu havia criado para mim. Algumas pessoas do grupo, no entanto, surtaram, e os dirigentes da casa decidiram enviar doses de ayahuasca para serem consumidas nas próprias residências. Isso foi concedido somente àqueles que tinham um alto grau de auto controle na força, e que sabiam como criar círculos de proteção energética para iniciar e finalizar um ritual. Ou seja, só quem não dava trabalho e sabia se cuidar. Eu fui um deles, e recebi por frete três garrafinhas com a bebida dentro. Fiz, assim, três rituais sozinho em meu apartamento. Não deu nada. Nem de longe se assemelhou à experiência de estar pisando na grama, caminhar pela casa, ter altares para contemplar, com boas caixas de som para tornar a audição mais imersiva no espaço aberto. Eu tinha apenas uma sala pequena de apartamento, um sofá, uma pasta de MP3 que o dirigente compartilhara, uma Alexa, e um prédio da frente todo aceso, já que eu estava sem cortinas. Uma bosta.
Conforme os encontros voltaram a ser liberados, a dirigente achou por bem ministrar cursos e, assim, aumentar a quantidade de pessoas capazes de oferecer proteção espiritual ou de elevar a própria vibração energética contra a queda de imunidade. Eram cursos de rapé, de fabricação de cachimbos, de consagração de tabaco, de encantamento de espelhos, de feitura de pó mágico, de iniciação em espada de São Miguel (que eu participei), de iniciação em leitura de velas, de iniciação em abertura de portais com a chave de Hecate, além de diversos tipos de reiki, como o tibetano, o clássico Usui, o havaiano, o egípcio de Ísis, o xamânico do norte, o druida, o reiki da ordem de Melkisedeque, e um curso EAD de bruxaria ancestral via Skype. A maioria das apostilas que os facilitadores nos entregavam eram escritas por canalização.
Ao final dos cursos, que duravam de três a seis horas, era comum haver uma sessão de projeção astral induzida pelo facilitador para “batizar” a pessoa em uma realidade paralela. Durante essa projeção, o aluno em certo momento encontraria um castelo, atravessaria seu principal portão (ou escadaria, ou ponte, o que fosse) e seria recebido por uma fileira com nove mestres espirituais da Fraternidade Branca à sua espera. O aluno então olharia para o rosto de cada um desses mestres até que um deles, por vontade dele, daria um passo à frente e receberia o iniciado. Este mestre seria então considerado o protetor do novato, padrinho daquela iniciação, e alguém em quem se poderia confiar como canal direto de suas orações.
No curso de Reiki avançado, chegou minha vez de ser então iniciado em outra dimensão. Nove entindades enfileiradas. Uma delas, rosto ofuscado, não chemou muito atenção. Eu queria o Shiva, o Xangô, algum deus forte e maśculo, e fiquei aguardando, naquela projeção astral, a manifestação. Mas a mestra que veio me receber naquele castelo de mármore perolado e esmeralda que eu projetei no meu astral, era alguém que, ao se revelar, desarmou por completo meu intelecto e minha vaidade. Porque ela, até então, não fazia sequer parte do meu imaginário. Era alguém que eu não teria imaginado que daria o passo à frente, já que, entre as figuras da fileira de mestres, estavam alguns personagens que certamente eu teria escolhido, caso meu ego estivesse no comando. De véu branco sobre a cabeça, uma túnica azul-clara envolvendo-a dos ombros aos pés, eu vi o rosto difuso tornar-se o límpido e sereno de Nossa Senhora das Graças, uma das versões da Virgem Maria. Tomou a frente, brilhou, ofuscou todo o resto, e ali, enquanto eu tentava entender o porquê de ser ela, pela primeira vez naquele experimento eu suspendi os trabalhos mentais de antecipação, e me entreguei à contemplação. “Por que Maria?! O que tenho com ela?”
Algum tempo se passou em meio àquela minha confusão emocionada. Voltei ao mundo real somente no momento que a facilitadora comandou que abríssemos os olhos e despertássemos da projeção, que se encerrara.
O chamado da egrégora cristã
Alguns temas comuns começavam a criar números que chamaram minha atenção, especialmente depois de eu ter olhado, ou sonhado, com a Virgem Maria de branco e azul-claro. Na Congregação Cristã no Brasil não há imagens de qualquer tipo, nem mesmo de uma simples cruz de varetas; então, embora o universo cristão fizesse parte de meu imaginário desde a infância, Maria nunca tinha sido objeto de minha atenção. Não se reza Ave Maria na CCB. Lá, Nossa Senhora evita-se, critica-se, jamais se reverencia. Além de meus dezessete anos de culto, outros quase vinte se passaram sem haver interesse na mãe de Jesus, apenas respeito e o máximo de distanciamento. Logo, aquilo não parecia ser truque do meu subconsciente, nem um guardado flagrante. Eu também não estava sentindo nenhum tipo de recusa ou aversão, como os crentes teriam. Ao contrário, eu sentia uma espécie de… desarme pasmado e gratidão. Mas por quê?
Recordei-me de todas as vezes que alguém fez menção a qualquer coisa cristã sem saber que eu já tinha sido crente.
Primeiro, as pessoas vendo luz ao meu redor. Façamos o papel do cético e vamos supor que a menina apenas me viu de branco e me achou bonito sob o reflexo de um clarão daquela noite; mas ela não precisava ter dito aquilo, precisava?
Depois, fiquei marcado no rito de São Miguel Arcanjo, uma figura que o neopaganismo abraçou, mas que originalmente é parte do panteão católico. Mas vamos então supor que foi uma coincidência, e que a dose de força teria acontecido em outras ocasiões, embora, na prática, não tenha ocorrido da mesma maneira fora das cerimônias dedicadas a São Miguel.
Mais à frente, as partes do meu corpo sendo conduzidas à minha revelia, enquanto minha consciência, como expectadora distanciada, assistia e decodificava aqueles gestos miúdos; isso parecia ser sinal de algo importante, embora não necessariamente cristão.
Ainda, aquelas “ordens” para entrar ou sair do espaço de dança na música específica, o que parecia um aviso sobre aquilo do qual eu fazia ou não fazia parte.
Tinha o fato de que eu jamais tinha vomitado, o que era extremamente raro até para os mais avançados; alguns interpretavam isso como uma espécie de dom para a substância.
Por fim, a Virgem Maria me recebeu na projeção astral, uma das maiores surpresas que tive ali, já que a única “Nossa Senhora” que tinha representada na casa era a estátua de Iemanjá, representada nas mesmas cores como suposta deidade sincrética da mãe de Jesus.
Eu já tinha, portanto, acumulado alguns indícios.
Embora não conclusivos.
O anjo da guarda não desistiu deste protegido cabeçudo.
Em um outro ritual mais à frente, o “chamado à música” aconteceu de novo. Eu estava sentado e a força veio de uma vez, como uma ativação magnética irrepreensível para o espaço da dança. Quando isso acontecia, eu sabia que precisava ficar de pé e me pôr em movimento. Fui para a roda da fogueira. Assim que pus o pé na terra ─ ou seja, literalmente assim que pisei nela ─ fui tomado de um tremor sutil e, quase imediatamente, virei aquela espécie de marionete dos guias espirituais. A música que começou a tocar naquele instante foi uma de São Miguel Arcanjo, de novo, sempre ele. Sem total controle do meu corpo, eu apenas agradeci pelo que estava acontecendo, e deixei o resto fluir. A diferença é que dessa vez minhas mãos não estavam costurando feridas em meu peito, rosto, coxas e toda parte; agora eu estava movimentando os braços de forma tão plástica quanto lenta. Muito lenta. E muita intensa. De pé, reto, as pernas juntas, eu me tornei uma espécie de totem, e só quem observasse de perto notaria que eu não estava como estátua; quem me assistisse por mais de um minuto perceberia que eu não estava fazendo cena, pois certas posições dos braços erguidos somente bailarinos seriam capazes de manter por tanto tempo. Mas eu não sentia cansaço, nem incômodo, nem um só músculo queimar; eu apenas era instrumento e estética em uma rotação interior bastante diminuta. Se você for capaz de fazer um movimento em câmera lenta, garanto que os meus eram mais. Havia uma forma sendo moldada, e eu tinha apenas a função de manter os olhos fechados, a respiração contínua e controlada, e os pés firmes para ter sempre equilíbrio. O restante era o gesto que em mim era dirigido. As várias canções dedicadas ao Comandante da Igreja Militante naquela tarde, sob efeito da força, foram um chamado irrecusável. E, assim que a última delas encaminhou-se para as derradeiras notas, de novo o efeito simplesmente foi desligado, e senti uma necessidade de retirada urgente, apenas a um instante de começar uma canção que honrava a egrégora das bruxas, não mais a dos arcanjos. A sincronia era evidente. Tinha um porquê naquilo tudo. E sempre que chegava no final duvidando se minha percepção era exagerada, tinha alguém que comentava sobre a figura amorosa e poderosa que tinham enxergado através de meus gestos. Que glória mais extravagante.
Mais para frente houve uma consagração que honrava três deusas ligadas ao “sagrado feminino” e à egrégora das feiticeiras: Hecate, Kali e Morrigan (procure na internet e tire suas conclusões sobre o tipo de feminino que estava em jogo). Antes do ritual, muitas vezes a dirigente dizia algumas palavras introduzindo as entidades para os novatos da ayahuasca, e relembrava o que se deveria esperar daquele dia. No caso, devido à simbologia daquelas deusas e, segundo ela, devido aos preconceitos que seus devotos ao longo dos tempos tiveram que enfrentar, aquele ritual seria de dor. Os assistentes deveriam estar todos atentos, disponíveis, servindo. Perdas familiares, injustiças, violências sexuais, memórias amargas, não exclusiva mas principalmente sentida pelas mulheres, aquilo tudo poderia ressurgir face a face para cobrar o boleto de quem tinha empurrado o trauma pra debaixo do tapete emocional. O objetivo, complementou, não era a dor pela dor, não era sadismo “das deusas”. O objetivo era cura. Da mesma forma que um nódulo muscular dói durante a massagem, um nódulo emocional iria doer para ser finalmente desfeito naquele dia. Era uma dor necessária, e quem estivesse ali deveria estar disposto ao processo de enfrentar as próprias sombras do passado.
O ritual de fato foi tudo aquilo e mais um pouco. Nem mesmo os dirigentes suportaram as energias pesadas, e tiveram que ir muitas vezes vomitar no banheiro. Todo tipo de coisa expelida ─ mijo, cocô, catarro, vômito, baba, lágrima, suor, fluídos íntimos ─ é no xamanismo considerado um processo de purificação, mas o vômito e o choro são os principais e mais comuns. Não houve assistente que tenha parado por mais de cinco minutos durante aquelas seis horas, tanta gente que precisava ser socorrida com reiki, benzimento, rapé, ombro amigo ou puxão de orelha. Em um certo momento uma das bruxinhas estava vomitando, uma segunda estava dando apoio à primeira e segurando seus cabelos, uma terceira estava ajudando a segunda a aterrar as energias negativas que eram filtradas, uma quarta estava passando reiki na terceira, uma quinta estava desenhando círculos mágicos de proteção na quarta, etc. O League of Legends nunca teve um trabalho em equipe assim, digno de escultura nacional. As mulheres que já tinham sofrido um aborto espontâneo, ou quem sabe voluntário, ou qualquer perda de um filho, foram as que mais sofreram e deram uivos lancinantes. Quem ouvisse de fora imaginaria uma selvageria de rancores. Uma mulher negra disse ter sentido na pele as chibatadas de todas as antepassadas de sua família que tinham sido escravizadas na Bahia. Outra descobriu ali, por visões, que tinha sido traída no passado pelo ex-marido, e quase esfacelou a mão ao socar as paredes, se não fosse intervenção de um dos ajudantes. Outra começou a se remexer toda, levantando-se de seu assento como se uma entidade do terreiro estivesse prestes a se manifestar em seu corpo (o que era proibido na casa, mesmo em rituais dedicados a orixás da umbanda), e depois de uma borrifada de um floral reikiano a mulher desabou na cadeira como um saco de batatas. O olhar de algumas mulheres, vermelhos de sananga e rebaixados de transe, pareciam olhos répteis tomados de sarcasmo. Os guardiões comentavam aqui e ali que nunca tinham visto um ritual tão tenso e intenso. Mas como eu, Claucio, estava no meio daquilo tudo?
Lembrando um pouco os paraneuês logísticos que meu anjo da guarda fazia comigo para me levar ou poupar de certas experiências, naquele dia o ônibus atrasou como nunca, e fui o último a chegar na casa. A única esteira disponível para colocar as minhas coisas era uma que ficava na garagem, afastada do quintal, dos fundos, da cozinha, próxima apenas de um corredor que só servia de passagem até a sala, mas que não trazia movimento para perto de mim. Fiquei longe de toda a muvuca. A força da ayahuasca se manifestou, naquela tarde, como uma tremenda moleza, que me obrigou a ficar deitado em conchinha durante boa parte do ritual. A música chegava até mim, mas não teve chamado algum. Como a audição fica apurada enquanto a força atua, eu conseguia ouvir certas conversas que aconteciam lá no fundo da casa, e percebia que a agitação parecia hospital em dia de acidente rodoviário na UTI. Eu tinha plena consciência que tudo estava um caos, mas nada daquilo chegava até mim.
Quando a ayahuasca bateu mais forte, ela me trouxe efeitos de “planetário caleidoscópico de lembranças”. Explico. Era como seu eu enxergasse (de olhos fechados) uma grande abóbada translúcida por cima de mim. Nessa superfície externa eram projetadas formas espectrais perfeitas que se transformavam em vitrais vivos, depois em memórias pessoais seguindo arcos geométricos, depois em arte fractal orgânica. Eram filmes colididos de mescla cinematográfica, profundos, multicamadas, com cenas intratemporais de minha própria vida. Um domo supremo de imensa tela côncava que, para onde eu olhasse na superfície, via algo acontecendo.
De repente eu notei algo mais importante me contando algo. Eu vi algumas formas femininas, talvez bruxas, não sei, “pairando” por cima e além da abóbada. Elas não se aproximavam de mim; olhavam, mas não se atreviam a atravessa a membrana translúcida, pois havia uma energia emanada nessa redoma que as repelia. Vendo “seres” através da membrana, era como uma bolha de sabão gigante, ou uma concha de bebê em berçário, mas com algum tipo de efeito contrário à intenção daquelas figuras. Pouco tempo depois vi passar pairando por fora, embora eu a enxergasse amorfa e diluída pela película do domo protetor, uma alma devota que julguei ser de pombagira, pois vestia corpete preto, saia preta rodada com fitas de cetim vermelho, uma rosa no cabelo e uma risada estridente rasgando o astral — seu arquétipo mais frequente. Ela me olhou, mas também não se aproximou daquele limite que parecia um campo de força. Dois segundos depois, uma música de ponto de pombagira começou a tocar no sistema de som da casa. Eu pensei, muito satisfeito e feliz: “De novo essa sincronia, esse aviso, sempre um instantinho antes da coisa começar. Quem que manda esses sinais? Quem que está me dizendo com tanta ênfase que eu não devo er com estas senhoras?” E nessa hora eu vi se aproximar do domo, em imagens borradas de aquarela, e de uma forma capaz de tocar a membrana protetora e até de atravessá-la, duas figuras já bem conhecidas. Uma delas disse às pairantes e tenebrosas figuras femininas um firme “Ele, não”, referindo-se a mim. Este, ainda que também difuso em minha perspectiva, tinha cabelos loiros, vestia azul, uma armadura dourada e tinha… asas. Arcanjo Miguel! Ou outro… Bem, era Jesus.
Após aquele momento de coração acelerado, confusão, deslumbramento e gratidão, começaram a vir questões que mais tarde consegui formular.
Durante esse período na ayahuasca, qual foi a minha relação com Eles?
Eu nunca tinha rezado de verdade antes de chegar àquela casa, nem mesmo um Pai Nosso, uma Ave Maria. Depois disso, minhas inclinações afetivas mostraram uma preferência natural. Depois dos rituais de Miguel, o arcanjo virou um favorito, e cheguei a fazer a oração de 21 dias em sua homenagem. Já Jesus Cristo era sempre o último a Quem eu pedia bênção quando enviava reiki. A ordem era: Metatron, Xangô, Oxaguian, Mestra Rowena, Mestre Hilarion, Arcanjo Miguel e, por fim, Jesus. Mas eu, sinceramente, não sabia o que estava fazendo. Eu apenas achei lógico colocar Cristo no fim das orações. Eu não confiava 100% no que era o reiki, e por isso colocava para Cristo e Miguel sempre a palavra final sobre o destino daquelas energias canalizadas por minhas mãos.
Mas, recapitulando, eu já tinha feito ebó para Xangô, eu já tinha estudado yoga e alguns livros para entender mais de Shiva, eu já tinha lido sobre mitologia druida, eu já tinha comprado camisetas com estampas de deuses egípcios, eu já tinha “canalizado” um conhecimento que fora usado em sexo casual, eu já tinha comprado três tarôs diferentes. Mas nunca Cristo, nunca o crucifixo de joelhos, nunca a Bíblia no colo, nunca um terço. Eu não fazia nada para realmente provar uma devoção a Jesus exceto por aquelas orações formais e desajeitadas de reiki. Olhar para aquela imagem da abóbada, e vê-Lo, ainda que embaçado pelas lentes confusas daquela tela, foi tão forte quanto ver Nossa Senhora das Graças se aproximando naquela projeção astral. Eu estava num centro universalista com pelo menos umas cem entidades do mundo inteiro sendo representadas em imagens, pinturas, objetos simbólicos e pequenas taças de oferenda; mas Eles foram ali, me buscar, no meio daquela pandora astral que estava acontecendo na casa, e não permitiram que uma só pétala de dor chegasse perto de minha esteira. Aquele ritual “para Hecate” foi um dos meus rituais mais tranquilos, na verdade, totalmente na contramão do que o resto da casa enfrentava, e tudo graças àquela redoma de proteção.
As conversas pós rituais, quase sem fôlego, pareciam o encontro de duas realidades diferentes. A maioria das pessoas estava desgastada, comentando os percalços, agradecendo, sim, aos desafios superados, mas perplexas; sobretudo, elas estavam exaustas. Eu, ao contrário, parecia ter saído de um spa. de outra cerimônia. De outro tipo de revelação. Era uma confusão, mas límpida; um ponto de luz emanava em meu peito. Estava começando a ficar claro que aquele mundo já não me pertencia, ou melhor, que eu não pertencia àquele lugar, e que minha rotação espiritual acontecia em outro logaritmo, em outra camada, sei lá como eu podia explicar, mas já não era para mim, e meu lugar era algo que eu precisava buscar dali pra frente. Eu precisava, depois de tantos sinais, de tantas escolhas, dar mais atenção à egrégora que estava me chamando, que tinha me buscado, estendido o braço ao meu redor.
Eu ainda fui em alguns rituais, pois sou teimoso e tinha uma certa vaidade para saber o que aconteceria em outras egrégoras. Mas nenhum me fez aprender algo novo; apenas ajudaram a desfazer o que já precisava ser desfeito. Cada cerimônia que eu voltei a participar ao longo de 2021 trouxe experiências repetidas, e a mensagem que ficava de retrogosto era sempre a mesma: “Tu já vistes, o que mais quer de prova?”. Eu concordava: “Sim, nenhuma outra família de entidades foi tão vívida para mim senão a própria Sagrada, além de seus generais alados.”
Curiosamente, no final de 2021, o espaço trocou de nome; foi de uma nomenclatura mais “Nova Era” para uma pegada mais obscura, menos convidativa, mais categórica em sua escolha reverencial, fazendo menção em seu nome não mais aos céus, mas a uma religião pré-cristã que reverencia a lua e fora raiz da bruxaria antiga. Pouco tempo depois o casal dos dirigentes se divorciou, e algumas pessoas que eram chave na organização da casa abandonaram o espaço. Pode ser que esteja relacionado ao nome, pode ser que não. (Não busquei saber o que aconteceu depois. Só desejo que seres mais iluminados guiem seus caminhos, assim como Eles apareceram para mim naquela abóbada anti-Kali).
Cheguei a conhecer outro espaço, mais roots, mais xamanismo raiz, onde também virei uma espécie de “atração” devido à minha performance induzida. Foram só duas vezes. Eu não tinha mais por que insistir naquele caminho, e seria burrice de minha parte se o fizesse.
Ao todo foram vinte e oito consagrações de ayahuasca num espaço de quatro anos. Eu tinha mergulhado em tudo o que era religião, mas agora estava claro que eu precisava entender por que Jesus, por que Maria, por que Miguel estavam acenando com tanto amor (apesar de meu desmerecimento) à minha direção sem norte na floresta.
Sim, crônicos
Sem mais frequentar os círculos neopagãos, conhecimentos concretos foram acontecendo para mim de pouco em pouco.
Em fevereiro de 2022 compareci a um casamento católico de um grande amigo da Unicamp. Lá estavam pessoas das artes cênicas tanto do lado progressista quanto do conservador. Embora eu não fosse católico, me causavam profundo interesse as conversas que presenciei entre o velho Mallet e os seus eternos e gratos alunos. Na festa, conheci uma moça do círculo social dos noivos, e ao longo dos meses desenvolvi uma grande amizade com ela. Eu vinha de toda essa experiência em busca do espiritual, e ela, católica tridentina, não imaginava que uma jornada como a minha poderia desembocar em um interesse genuíno pelo catolicismo (e nem que Maria pudesse aparecer por aquelas bandas astrais que eu frequentei). Ela então foi responsável por me apresentar uma série de palestrantes e conteúdos que me ajudaram a entender um pouco mais da doutrina católica. Eu comecei a ficar não apenas interessado, mas surpreso, pois a cada vez eu descobria verdadeiras preciosidades que iam na contramão do que eu pensava sob a avatar do senso comum.
Em março seguinte meu primeiro sobrinho nasceu. Meu cunhado, católico não-praticante, me convidou para ser padrinho de batismo, que aconteceria em outubro. Minha irmã, mesmo sendo da Congregação, onde não existe batismo de bebês, acabou aceitando o sacramento (e em partes convencida por conselho meu). Perguntei ao cunhado se eu, sendo não-católico, estava apto para ser padrinho. Ele disse que não tinha problema, mas iria ver com o padre, e dias depois retornou dizendo que de fato não havia empecilho. Desconfiei. Fui a meu amigo, católico tradicional, e depois para minha amiga, mais conhecedora, confirmar se a informação procedia, pois eu farejava engano. Afinal, qual a função de um “dindo” católico? Não era dar presentes caros, mas sim ser uma espécie de orientador espiritual ao apadrinhado, além de responsável direto em caso de falecimento dos pais. Oras, se eu teria qualquer função de orientação, eu tinha que estar preparado para isso. Eu tinha, no mínimo, que entender o dogma católico. Embora não soubesse disso quando aceitei o convite, agora era necessário que o soubesse, como naquela vez que fiquei sem as aulas de redação. Para minha própria paz e limpeza de consciência, comecei a estudar o catecismo.
Ao saber de meu interesse pelo cristianismo, o meu chefe, que também é meu amigo de carreira publicitária e empenha o papel de pastor batista em sua cidade, me presenteou com alguns livros para guiar minhas leituras bíblicas. Comprei também, finalmente, uma Bíblia, cuja capa tinha desenho de uma Oliveira, em homenagem ao sobrenome de meu pai, que na minha infância me contava as histórias dela.
Em 12 de outubro visitei novamente meus amigos de Campinas, feliz da vida por já ter apadrinhado meu sobrinho, e eles me convidaram para ir à missa de Nossa Senhora Aparecida na igreja que eles frequentavam. Fui e gostei. Voltei para casa com alguns livros católicos que ganhei deles. Somando aos anteriores, tinha leitura o bastante para cinco anos de estudo (se fosse disciplinado com leituras, o que não sou). Mas uma coisa muito notória mudou a partir dessa visita. Eu na época tinha alguns contatos de relacionamento casual, e a partir daquela primeira missa eu não consegui mais ter envolvimentos assim. Até tentei, insisti, mas a motivação interior tinha mudado, ou então minha psiquê. Foi a partir dessa visita que virei uma chave no assunto.
A conselho desses mesmos amigos, passei a frequentar a missa mais próxima de onde eu morava. Era um pouco diferente, um pouco mais solta, mais “evangélica” devido ao tipo de música litúrgica. Fui a outras paróquias tirar teima. Foi quando descobri que existem muitos tipos de missa católica, tipos de canto, tipos de rito, concílios polêmicos, padres populares cometendo heresia à luz do dia, frentes teológicas com inspiração marxista, enfim, uma diversidade tão impressionante quanto preocupante. Essa constatação me fez querer investigar um pouco da história da Igreja Católica e o porquê da inconsistência, pois, já que eu estava me aproximando dela.
Tentei entrar no grupo de crisma de adultos da paróquia de meu bairro, mas, por estar atrasado uns meses, fui convidado a participar sem compromisso do grupo iniciado. Eu deveria retornar para o novo grupo de crisma adulto em 2024, “me formar” apenas no final daquele ano seguinte, mas parecia muito longe. Um amigo me indicou um padre da Opus Dei, e, após me apresentar, ele aceitou me ensinar a fé católica em encontros semanais individuais. Gosto muito dele.
Também descobri que existem padres com excelente oratória e formação intelectual. Onde eu estava com a cabeça esse tempo todo em que achei que padre era tudo velhinho que dava sermão sem boas justificativas?
Descobri Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Padre Pio, São José de Maria Escrivá, ou a própria boa literatura do apóstolo Paulo. Descobri uns guerreiros cascudos com nome de santo, e umas mulheres incríveis que foram canonizadas. Tem história de padres e mártires que, se fossem divulgadas nas escolas, no dia seguinte não haveria um só garoto querendo ser o Homem-Aranha, nem uma só menina pedindo a lancheira da Elsa. E eu saquei isso daqui da portinha, pois ainda nem comungava, e ainda nem tinha infusas as virtudes da Graça. Eu era só um cara observador que observou.
Um Natal Sozinho
O ano de 2023 foi o primeiro em que busquei frequentar missas dominicais. Fui à maioria delas e estava indo bem até outubro. A maior parte das minhas ausências se deu no fim do ano por um motivo simples, bobo até, mas proveniente de uma percepção interior que não pôde separar culpa de atitude. Empolgado no começo do período, mas desanimado no fim, vivenciei a primeira crise de fé e de vergonha quando virei a folhinha do calendário no meu aniversário. Naquele dia senti o peso de uma das parábolas mais famosas: a dos talentos multiplicados. Mais perto dos quarenta do que dos trinta, tinha a consciência segura (porém mal-agradecida) de ter de fato duas ou três habilidades acima da média da população; dons que antes eu dava como motivos de vanglória; que, hoje, eu sei que são graças de Deus; mas que não foram utilizadas de forma constante a dar frutos; nem mesmo a consciência desse fato ao longo de 2023 me fez levantar da cama pontualmente para “dar 100% de mim” como se é esperado do crente. Tanto desperdício foi causado por evasão de esforços, vícios variados e escolhas dispersivas, quando não vãs e vaidosas. Comparando 2022 com 2023, por exemplo, a disciplina teve ganhos, mas bem menores do que seria coerente esperar de alguém que se vê infinitamente devedor.
Mesmo consciente do que sou agora (leia-se: pelo menos em partes de tudo que mais me falta), mantive a falha que me freava. Perceber que fiz isso foi ainda pior; trouxe uma dor que bateu a ponto de me sentir o mais pródigo dos filhos pródigos, o mais tolo dos servos tolos, e o espinho e a pedra e a aridez que impediram a semente lançada pelo semeador. Não fui tomado por arrependimentos do tipo futuro-do-pretérito indicativo, que se remói por ter escolhido “A” em vez de “B”, mas do tipo pretérito imperfeito subjuntivo, por ter empenhado na escolha “A” bem menos do que eu sei que poderia ter empenhado. Certa vez me disseram, num contexto não-cristão, que nosso maior pesadelo seria ver, após nossa morte, quem poderíamos ter nos tornado se tivéssemos nos esforçado aquele pouquinho a mais e aquela indulgência a menos. Depois que aniversariei, essa imagem começou a se tornar até mais vívida, e teria incendiado a fornalha para a locomotif seguir seu rumo a duzentos cavalos de potência; mas, em vez disso, o terror da imagem retroalimentou a um outro problema, e entrei no espiral do pecado reflexivo. Eu não sei qual o nome desse problema, mas tirou o primeiro ímpeto de conserto e ecoou a voz de escárnio que apontava meu desmerecimento.
O perigo de não agradecer ao dom da vida ─ e se ainda estamos vivos desperdiçando nossos talentos é só porque há uma certa misericórdia que vem de cima pra baixo ─ é perder a alegria do dia-a-dia e acabar por cultivar uma vida sem partilha. No Natal de 2023, de certa forma isso aconteceu comigo em uma esfera menor, porém simbólica o bastante.
Como boa parte da minha família não comemora o Natal, e os que comemoram passaram em outras cidades ou com famílias terceiras, e como meus amigos mais próximos também estiveram cada qual com suas respectivas, não houve um convite oficial para partilhar uma ceia. “Oras, tudo bem: tens a Cristo!”, você talvez tenha pensando, torcendo por mim. Sozinho, sem ninguém com quem trocar presentes ou brindar um espumante baratinho, eu poderia ter lido a Bíblia, mas não li; poderia ter querido ler a Bíblia, mas não quis; poderia ter passado uma hora de joelhos, ou rezar o meu primeiro terço não-conduzido, mas não tive vontade verdadeira de me prostrar diante Dele. Ou seja, deixei-me ser pego sem resistência por uma espiral de indulgências auto-co-miseráveis, como quem percebe a distância que está do lar e, em vez de continuar caminhando, deita-se para lamentar a distância. A pessoa esquece por alguns momentos daquilo que é de fato motivo de comemorar a noite de Natal, e de agradecer, a princípio de qualquer conversa, pelos dons de seu nascimento, e o presente que é o nascimento Dele.
Passei a notar que a fé católica consciente, e que gera mais e mais consciência, é muito mais difícil do que eu imaginava ─ e eu nem tinha completado a crisma com o padre. Uma frase de Sta. Teresinha tornou-se ao mesmo tempo um ideal e uma espécie de voz punitiva: eu queria me converter por medo do inferno, por desejo de céu, ou por amor a Cristo? Eu ainda não percebia ímpeto por Cristo (na mania de achar que fé é um sentimento), o que me fez me sentir imundo, hipócrita, indigno até de ajoelhar-me diante Dele. Eu não merecia o Natal, dizia a voz que vinha de uma gruta, tão platônica quanto ausente de manjedoura.
Mas mesmo assim fui buscado, diz a minha história.
Fui buscado, porque só Deus sabe por onde passei e que rumos eu poderia ter tomado, se não fosse uma espécie de instinto de me tirar de certos pontos, desviar-me de outros, proteger-me em tantos e chamar-me quando eu menos esperava.
Dizem que a conversão intelectual costuma ser mais forte e consciente. Talvez eu esteja nesse caminho, Deus queira que sim. Mas, como dito no começo, eu sei que apenas acabei de girar o motor e ver o que eu estava deixado às minhas costas. A imagem que tenho deste momento é que eu consegui perceber a tempo que a rua que eu havia tomado ao rogue mode tendia a andar em círculos, ou em espiral dispersivo. Metaforicamente falando eu me vi em uma floresta longe de meus amigos, consciente da distância que eu terei que percorrer em dobro para encontrá-los lá na frente; sem tempo de fazer o caminho de volta, precisando descobrir atrasado por onde vou daqui pra frente, mas, pelo menos, com algumas instruções e ferramentas que antes eu usava sem consciência.
Mas claro que, fazer isso solo, tem lá seus riscos. Fui ao crisma sem valer o crisma; fui às missas sem poder receber o melhor das missas; rezei para pegar prática, e logo mecanizei a ladainha. Até mesmo a fé é algo que se deve pedir de joelhos pela Graça, e nisso falhei.
Embora o relato acima seja verdadeiro e aponte o caminho que escolhi daqui pra frente, de forma alguma quero menosprezar os conhecimentos ancestrais da ayahuasca. Um pajé descobrir no meio da Amazônia que, se ele pegar o cipó daquela árvore macho específica, ferver com a folha da mesma árvore fêmea, reduzir a bebida até um caldo espesso de gosto horroroso, e ainda assim tomar a birosca — qual a chance de isso tudo ser mero acaso, sorte, qualquer coisa que não de inspiração divina? É claro que banalizou-se, virou droguinha de barato para uns, e vício emocional para outros. Mas a minha experiência foi essa e, se foi com ela que eu pude chegar de volta ao cristianismo, que ela seja considerada como uma ferramenta que funciona quando Deus quer.
Certa vez, numa cerimônia dessas, foi trabalhada a investigação intuitiva para descobrir qual era o nosso animal de poder. Veio-me a aranha, que tece e aguarda, que simboliza a capacidade de amarrar o passado com o presente e arquitetar o futuro com paciência. Se faz ou não sentido, eu sinceramente não tenho interesse em debater, nem o quão nova era é chamar animal de poder para um ritual. Fato é que essa minha tortuosa busca por Deus é uma grande história de várias camadas, que afetam a carreira, que são retroalimentadas por minhas percepções na arte, que são modificadas pela presença de pessoas em minha vida, que é cheia de capítulos, sequências, desdobramentos, flashbacks, apartes e quebras de quarta-parede. Olhando para meus primeiros e mais persistentes dons — como a escrita descoberta na apostila dos fascículos, ou a dramaticidade que não vingou nos palcos mas multifacetou minha visão de mundo, ou a astrologia que não me levou para o sensacionalismo psicológico mas me revelou um mistério divino racionalizável, ou mesmo a capacidade de autocontrole para passar por uma série de experiências místicas, religiosas, transcendentais que me levaram de volta à minha origem (e, se Deus quiser, fim) — para mim é impossível não olhar e, de certa forma, sentir a gratidão que me faltava dias atrás, quando comecei a escrever essa parte. Percebo essas linhas tramadas, tecidas, entrelaçadas por essa grande aranha dos mistérios que nos chamam ao seio. E esse fio mestre começa lá atrás, quando meu pai me contava histórias da Bíblia. Ainda que anos depois elas não teriam me sustentado na congregação, foram elas que tornaram o rosto de Cristo e sua revelada Mãe uma verdade familiar e desejada, que eu pude chamar, pela primeira vez, de lar.
Eu espero um dia poder chegar a essa morada e encontrar Meu Pai, Minha Mãe, meu pai, minha mãe, minhas irmãs, meus irmãos pródigos que retornaram, todos os servos com seus talentos multiplicados para instrumento e graça do Reino, e ouviremos os sonhos do primeiro José, sentaremos à mesa construída pelo São José, inclusive com aqueles que estiveram perambulando em bosques mais estranhos de espiritualidade, mas que, por graça e mistério conhecido somente por Quem tudo sabe, rindo, saudaremos.
A camada de minha busca espiritual talvez tenha sido a mais constante na autobiografia, e por isso deixei para o fim. A você que me lê, obrigado pelo seu tempo, paciência e interesse, e espero, Quem sabe, ao final do texto, poder de algum nível ter ajudado você com sua própria jornada.
Independente do tempo que me lê, te desejo Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Que Deus Pai, Filho e Espírito Santo, bem como a infindável misericórdia de Nossa Senhora, estejam sempre contigo em seu caminho.
— Claucio, finais de 2023.





