Dos astros aos astros — Biografia em camadas, 3
Da Unicamp ao Shakespeare, gostava de assistir às maiores estrelas.
Minha primeira professora de teatro, a Telma, percebeu que, entre seus alunos, eu até que tinha um certo jeito para a atuação. O curso básico de teatro costuma reunir jovens, adultos e seniores em busca de melhor desenvoltura, perda de timidez, técnicas de apresentação, diversão pura e simples e, em alguns poucos casos, descobrir se “teatro é mesmo pra mim”.
Dois meses depois do início, o diretor Jamil, outro professor da escola e que estava dirigindo uma peça de formação, estava precisando de um ator mais ou menos com meu perfil para completar o elenco em questão. Era um papel com menor risco porque não tinha muitas falas (era o Vítor, o camponês de Yerma, tragédia de Garcia Lorca). Convidou-me para ver um ensaio no Teatro do Ator, pequeno espaço no centro da cidade onde na época se apresentavam todas as turmas de teatro que se formavam da Recriarte. Topei. Lá, encantei-me com as meninas do elenco e com a possibilidade de participar daquele processo de criação artística. Por que não experimentar e mergulhar nessa coisa de cabeça? Foi então, com aquela indicação da Telma, que eu, poucos meses depois da recomendação do Ismael e da bancada do TCC, estreava de verdade nos palcos como ator amador convidado em uma temporada de dezoito apresentações.
Como dizem nos círculos sociais artísticos, “o bicho do teatro picou”. Fiquei deslumbrado. Deslumbrado com atuar. Deslumbrado com participar de uma peça de teatro com concepção artística. Deslumbrado com o processo de ensaios e construção de um espetáculo, que me deixou estimulado, engajado, vivo. Deslumbrado também com os talentos que me despertava. Com as novas amizades que formava. (E, para não deixar de mencionar, com as vantagens de ser uma raridade no meio teatral brasileiro majoritariamente feminino e liberal, ou seja, ter o combo de ser inteligente o bastante, atraente o bastante, e bastante heterossexual.)
Começou uma era de plenitude. Eu desejaria aquilo todo dia. Dali pra frente, ao fim de um ensaio já não via a hora para o próximo. Não faltei a um encontro sequer e, mesmo sendo ator convidado, tomei aquilo com seriedade; isso deve ter encantado o elenco, pois eu me sentia bastante querido. Eu enfim tinha encontrado minha turma.
Ao fim da temporada de dezoito apresentações, eu não pensava em outra coisa. Cancelei minha matrícula no Básico para logo ingressar o curso profissionalizante, que tinha duração de três anos, com duas aulas por semana e uma peça teatral por ano.
Acabou levando três e meio por uma questão de quórum mínimo de uma das turmas, fora o semestre que já se passara. Mas não senti falta, pois pude preencher com outro tipo de projeto teatral. A Recriarte promovia montagens livres com criação de espetáculos propostos e dirigidos pelos professores da escola em paralelo às turmas profissionalizantes. Qualquer um podia participar, independente do nível. Tais projetos duravam dois semestres, também com dois encontros semanais e apresentações ao final, e eram chamados de Promon. Somando tudo, foram seis montagens teatrais de 2006 a 2009: Yerma, Os Ossos do Barão, Ópera do Malandro, um musical sobre a Jovem Guarda, uma colagem de cenas do Martins Pena, e aquela peça com título gigante do Peter Handke.
Quis mais. E já sabia disso antes mesmo de terminar o ciclo na Recri. Não me enxergava mais sem teatro na minha vida, e esses vários ensaios eram os motivos de minha pontualidade quando saía da agência: estava indo ensaiar, ou aprender teatro. Minha amante, o teatro.
Ainda em 2008, aquele namoro artístico se transformou em noivado. Precisamente em maio passei a ver o teatro não mais como hobby ou diversão artística possivelmente remunerada, mas como um futuro possível e prioritário, visando, quiçá, rumos na dramaturgia e direção teatral. A forma como virei essa chave é uma memória catártica que até hoje me lembro.
Em 2008 eu já havia criado o costume de assistir toda semana pelo menos uma peça de teatro ou de dança. Tendo carteirinha do Sesc, pagava-se cinco, sete, dez reais, e a agência ficava próxima de vias que me levavam para o centro de São Paulo, ou para Sescs onde aconteciam espetáculos durante a semana. Em maio pude assistir a um de dança chamado Umwelt, da cia. francesa Maguy Marin, no Sesc Pinheiros. Aquele foi o momento que me tocou de forma inédita. Pela primeira vez pude ver as artes cênicas não como uma tentativa de encenar peças do passado fazendo esporadicamente algumas pontes simbólicas com o presente, mas como a criação de modos de interpretar o presente e manifestar visões de mundo contemporâneas que poderiam modificar a existência humana com extensões ao futuro. ─ Em outras palavras, foi a primeira vez que pude enxergar profundidade artística e o arrebatamento existencial por uma obra realizada ao vivo, com atores e bailarinos coordenados em cima de um palco. Era como escrever, porém com os corpos no tempo e no espaço; com falas, e plástica, e música; com as várias camadas interpostas acontecendo ao mesmo tempo. Por mais óbvia que seja essa descrição para quem já é do ramo, eu ainda estava curtindo as artes como somente diversão ou fruição intelectual auto-indulgente e, de repente, como um tapa no cu da alma da cara, abriu meu olho e passei a contemplar as artes dramáticas como algo quase sagrado. É preciso presenciar um espetáculo atravessador para realmente virar essa chave, e foi assim comigo, naquele baile de semiótica importado da França. Naquele dia eu lembro que pela primeira vez eu desejei, do fundo da alma, com uma lágrima quase escorrendo e a boca trêmula, que houvesse silêncio após cair o pano; quando as luzes se apagaram, eu precisei de alguns segundos de absoluto vazio sonoro para que assim eu contemplasse o baque que havia sofrido com a apresentação (sensação que eu só sentiria de novo em 2014, por acaso com outra cia. de dança francesa, a Ballet du Nord, com Tragédies, também no Sesc Pinheiros). Mas infelizmente o público não colaborou e aplaudiu efusiva e imediatamente após o blecaute, como se estivessem competindo para ver quem aplaudia primeiro, quem batia mais forte, quem gozava mais alto. No meio da algazarra, ainda sentado, frágil e impotente, mas em choque, só pude balbuciar meias palavras comigo mesmo para me despedir daquela chegada, uma boa-vinda com sabor de renascimento para a arte.
Naquele ano eu tinha um dinheiro guardado, mas cujo fim não havia decidido; poderia ser para a entrada no financiamento de um carro, para ir morar sozinho em um apartamento alugado no centro de São Paulo, ou para pagar um intercâmbio de três meses na Irlanda. Com aquele espetáculo Umwelt, eu não precisei de dois dias para decidir que nenhum dos três seriam o destino de minhas economias: usaria o dinheiro para me bancar durante dois anos em uma faculdade integral de Artes Cênicas, e contaria (estava decidido) com uma bolsa de estudos no meio do processo. Em outras palavras, em uma quarta-feira qualquer no meio de maio, em uma saída pós-expediente na agência, após minha primeira catarse diante de um palco, decretou-se que eu interromperia a carreira em publicidade para mergulhar de vez no teatro como profissão.
E foi de fato o que fiz. Um ano depois, em julho de 2009, com um pouco mais de grana guardada, pedi demissão. O plano era debruçar-me cinco vezes por semana das 8h às 22h nos estudos, por conta própria, sobre as espessas apostilas de cursinho — outro abraço para o Renato, que gentilmente me as cedeu. Oito anos depois da primeira vez, eu estava de volta ao jogo do vestibular, mas dessa vez não seria amistoso. Além de ressurgir as habilidades dissertativas, era preciso relembrar o conteúdo de três anos de colegial em apenas quatro meses, contra estudantes que estavam chegando no embalo. Mas eu tinha algo a meu favor: convicção, propósito e um pouco mais de maturidade emocional.
Não fui disciplinado a tal ponto de cobrir toda a matéria, mas consegui oitenta por cento dela com alguma segurança. Tive sucesso em ambas as faculdades prestadas, vendo meu nome em primeira chamada tanto na USP quanto na Unicamp. Optei pela segunda por enxergar que nela eu teria experiências mais imersivas (como de fato foi). E também, em especial, porque sair de Osasco, que era relativamente próximo da USP, para cursar a Unicamp me obrigaria a dividir uma república estudantil em Barão Geraldo, distrito afastado de Campinas que circunda a universidade; de quebra, eu sairia de casa. Eu tinha então 25 anos.
Agora, permita-me avançar novamente. As experiências que tive no campus também são histórias muito à parte, que contarei outra hora. O ano de intercâmbio, que pude usufruir com a tal bolsa de estudos, também será tema explorado em breve em cada viagem e descoberta cultural. Por enquanto apenas direi que, entre 2012 e 2013, meio da graduação e ano de intercâmbio, vivi ápices criativos e artísticos; o que veio depois não chegou a ser declínio, mas pouco a pouco minguaram aquela paixão que outrora me fizera verter drasticamente o curso de minha vida. Em nome do enxugamento e da proposta desse texto, resumirei alguns “galhos” nos quais me agarrei, mas que até hoje não sei se foram oportunidades de trabalho ou se foram justamente escolhas errôneas, azaradas, que me convenceram a retornar à publicidade.
Algumas temporadas nas artes dramáticas
Ao longo de minha passagem de cinco anos na universidade somei cinco espetáculos na conta, incluindo três na Inglaterra: uma colagem de cenas inspiradas em contos de Machado de Assis, Macbeth, Welcome to Thebes, outra colagem de cenas Shakespeare, e por fim Sonhos de Uma Noite de Verão. Por falar em sonho, o meu daquele momento era montar uma companhia de teatro funcional e financeiramente sustentável com meus amigos do curso. Foram duas tentativas ainda em Barão Geraldo. A primeira, tentando resgatar Macbeth, não vingou. A segunda, em que integrei uma cia. formada pela ala mais progressista da turma, consistiu em reapresentar O Casamento do Pequeno Burguês (eu entrei pro elenco ao retornar da Inglaterra) e começar um projeto sobre a ditadura de 64, que eu dirigiria. A companhia vingou até o primeiro debate que participamos em um festival, quando foram expostas nossas inconsistências artísticas e pragmáticas. Em ambas as cias. a coisa não foi pra frente por motivos de racha ideológica, ambições destoantes ou simplesmente por falta de profissionalismo na ressaca pós-formatura.
Não formar uma cia. de teatro com meus amigos foi um grande sonho que a vida artística me negou. Voltei a morar em São Paulo, e tive mais duas chances na capital ainda como ator. Fui convidado para participar de uma montagem experimental na USP (A Tigre do Sertão) com um elenco recém-formado, que começava do zero, na raça e com apoio da universidade. Também fui selecionado em um casting para uma produção mais profissional e envolvendo uma instituição do Reino Unido, dirigido por um ator da Royal Shakespeare Company, com edital e tudo que tinha direito, e apresentamos no CCBB de São Paulo (era de novo Macbeth, velha conhecida, mas um projeto diferente, em ocasião dos 450 anos da morte de Shakespeare). Ambos projetos tinham potencial, e havia interesse da produção que nos tornássemos uma companhia de repertório ou até mesmo uma companhia profissional autônoma; mas as intenções também morreram com a última apresentação da temporada prevista, e devido a problemas de natureza semelhante aos já citados.
Existe um estereótipo de que artista brasileiro é firme nas festas e políticas de fomento, mas frouxo com hora, calendário e planilha de gastos (exceto cias. de teatro infantil). Eu queria ser, para os não-artistas, um exemplo vivo de que o estereótipo era falso. Eu tinha três experiências de como os ingleses, que têm uma verdadeira indústria de artes cênicas, faziam a roda girar. Mas mordi a língua. Infelizmente a experiência prática nas três tentativas reais de formar companhia com espetáculo em cartaz comprovaram a fama da maior parte desse meio, e aqueles sonhos outrora nutridos de ideais viram-se desnutridos de práxis. Talvez eu não fosse tão apaixonado assim; ou, ao menos, não fosse a ponto de me tornar fanático por editais ou de me posicionar como resistência cultural ao sistema opressor capitalista. Pouco a pouco a ideia de uma carreira de ator desinflou-se.
Tive também outros tipos de emprego na área.
Em São Paulo encontrei um bico de professor de teatro em inglês para crianças e adolescentes, e que durou dois anos. Tive altos inesquecíveis, mas não prossegui. Na ponta do lápis aquilo não valia a pena, a distância percorrida era grande demais para o pagamento oferecido. Também perdi moral na escola, e com justiça, pois precisei me ausentar por um mês e meio para atender a temporada de ensaios daquele projeto do CCBB.
Fiz alguns freelances de redação publicitária. Mesmo com valores defasados, era disparadamente mais rentável (e rápido) do que a função de professor, para o qual eu ganhava apenas pela hora na sala, mas não pela hora ligando aos pais dos alunos, a hora lendo e escrevendo peças para a molecada, a hora do planejamento, e todo o dobro de trabalho que havia da sala de ensaio para fora.
Ainda colaborei como crítico-resenhista amador voluntário na Antro Positivo, uma revista de arte, cultura e crítica teatral. Minha participação aconteceu entre 2011 e 2017, e por quase todo esse período me senti especial. O editor, ao qual sou muito grato pelo espaço concedido, era um intelectual da cultura respeitadíssimo. Sobretudo, minha coadjuvância na revista dava esperanças para meu futuro naquele miolinho artístico paulistano. De fato, os contatos com os editores, cuja revista era conhecida só na nata da nata da nata teatral brasileira, abriu-me algumas portas e quitutes grátis em eventos para os quais eu jamais teria sido convidado. No início, escrever sobre espetáculos amadores em festivais como o Satyrianas, geralmente para artistas ou grupos que nunca tiveram alguém especializado dando um retorno técnico e poético sobre suas apresentações, foi algo que me ajudou bastante a desenvolver o senso de argumentação crítica generosa. Aquela minha víscera de escrever não tinha o embasamento de uma formação de crítico, mas era apreciada por algum motivo que na época nem eu sabia. Eu também tinha uma ética: eu era solidário aos artistas honestos, ainda que eles não fossem brilhantes, mas não poupava ironia aos famosos que se encostavam na petulância causada pelo glamour do colunismo social e que esperavam ser aplaudidos pela pretensa genialidade só porque eram grandes nomes entre pequenos e desconhecidos.
Mas, com o tempo, nem os pequenos davís passaram a ter espaço na minha programação obrigatória. Pior: somaram-se a essa perda uma série de fatores que eram esterilizantes à minha concepção de arte — a intelectualidade muitas vezes inóspita dos nossos diálogos publicados (e talvez por isso tão atraente aos aplaudidores mecânicos do Sesc Pinheiros), mais o caráter duvidoso das escolhas artísticas e estéticas dos nomes enaltecidos como “os maiores do mundo”, “os mais provocadores do ano” e “o que de mais interessante tem acontecido na cena brasileira” pelo público frufru que circundava as figuras da revista, e mais as curiosas escolhas ideológicas das Mostra Internacional de Teatro de São Paulo nas edições de 2017 pra frente — tudo me fez questionar: para quem raios eu estava escrevendo as resenhas?
Para pessoas dentro das quais eu poderia despertar um novo olhar para a arte ou para a obra simbólica, como Umwelt tinha feito comigo?
Se sim, justamente por isso cabia a mim manter a honestidade intelectual de não babar ovo para figurinhas. Uma questão de honra: nome querido da Baixa Augusta algum poderia mudar minha letra; nem mesmo uma bandeira social popular; muito menos os cartazes políticos que passaram a aparecer em nove de dez peças que eu assistia, entre outras verdades absolutas que o corpo artístico do teatro passou a entoar com cada vez menos poesia e cada vez mais retórica. Por mais que eu concordasse, na época, com seus punhos levantados em riste, uma coisa eu defendia: ponha a maldita da sua mensagem na porra da forma construída em cena, e não num “Fora Temer” arbitrário, seu filho da puta preguiçoso de merda. Mas como eu poderia escrever com seriedade, se os mais inteligentes do ramo estavam ululando “Foi Golpe” todo final de espetáculo, enquanto pouco a pouco apagavam, de propósito, o Nelsão Rodrigues de seus palcos?
Ou será que eu estava tentando ganhar moral puramente egoica entre um punhado de autofágicos culturais que, mesmo sem combinar, sempre se encontravam nos mesmos mezaninos dos mesmos teatros a cada vez que o mesmo Bob Wilson vinha apresentar em São Paulo aquelas mesmas masturbações visuais para serem urradas com a mesma e uníssona salva de palmas?
Eu não tinha a musculatura intelectual suficiente, e nem queria (ter que) saber citar um Deleuze da vida para justificar a crítica àquela barbárie florida. Cheguei a conclusão que não me interessava ser o novo querido intelectual da meiúca, e não iria insistir. Como o meu olhar de penhasco não bastaria para a função de resenhista-crítico dali pra frente, e como eu percebia que estava em posicionamento contra a costumaz forma rébu-escada de escrever sobre teatro, e como as ideias da revista já não me pareciam tão relevantes, especialmente seus inexplicáveis elogios aos peladões pseudo revolucionários e seus injustificáveis selecionados artistas desconstruídos brasileiros mal-copiados da Europa com fixação anal-conspiratória contra o patriarcado — ou então eu tinha ficado burro, burro demais —, me afastei pouco a pouco daqueles círculos.
A gota d’água foi uma peça de uma pretensiosa diretora espanhola que mostrava durante mais de dez minutos um vídeo (sim, era uma peça de teatro, mas o teatro atual não constroi mais símbolos, e prefere apelar para vídeos) de uma circuncisão em close-up máximo, com sangue jorrando e tudo, uau, como ela é chocante, essa menina levada da breca; e que em outra ocasião tinha colocado polvos mortos no palco para “discutir” a aversão que a humanidade tinha à genitália feminina.
Minto: minha gota d’água foi ter visto um ótimo espetáculo — de novo no Sesc Pinheiros — protagonizado por dois atores brasileiros octagenários, verdadeiros monumentos do teatro brasileiro. Sabor agridoce, pois a peça, O Rei da Vela, provava que o teatro podia ser político sem ser retórico nem binário em suas ideologias. Mas a montagem era apenas um resgate da mesma produção de cinquenta anos atrás, famosíssima, mudando aqui e ali algum detalhe de época. Cinquenta anos. Foi preciso pegar uma produção dos tempos de ditadura para relembrar como que se faz, ou fazia, teatro. Ter que resgatar seus velhinhos de fraldas parecia sintomático, estrambólico demais para uma classe tão pretensiosa, tão sabidona do que é melhor para o homem. Eu me incluía nessa crítica, porque era sobretudo uma autocrítica. Escrever pra quem?
A partir desse dia, passei a ir aos teatros apenas esporadicamente, para prestigiar um amigo ou outro, ou quando os elogios à montagem eram suntuosos (embora eu tenha vacina e saiba captar quando até o elogio é pura bobagem). Mas é um investimento muito alto, esse retorno de um teatro bom para cada dez tentativas. E uma pena também que o descaso à arte seja simbolizado, por um lado, nos incêndios de nossos palcos e museus e, por outro, na direção dos editais que optam por patotinhas concordantes. Quem permanece artesanal é guerreiro. Uma pena quem nem sempre o guerreiro sabe a causa por trás da causa.
As tentativas frustradas de engatar uma carreira no teatro em diversas frentes ─ elas aconteceram ao mesmo tempo ─ já tinham me levado ao um poço financeiro em 2017. A liberação do FGTS daquele ano salvou meu saldo bancário, mas mesmo assim precisei apelar no jogo da vida e voltar a morar sob o mesmo teto que minha mãe, oito anos depois de ter saído.
Mas eu não estava vencido. Ou melhor, o meu orgulho não estava vencido. Antes de voltar de vez à redação publicitária eu tive uma nova e inédita tentativa de começo ascendente rápido. Estaria escrito nas estrelas? Seria culpa do meu signo transformador? Seria a desculpa perfeita para um artista fracassado que, não podendo ser simbólico nos tablados, nem diretor e professor de astros, nem resenhista, decidiu ler códigos celestes, influenciar pessoas em seus palcos prosaicos, e ser um crítico sobre a configuração dos símbolos de uma roda gráfica?
Para quem me conhece, sabe que estou falando de minha jornada pela Astrologia, ou melhor, por minha temporada como astrólogo. Eu não cheguei a ler cem mapas, porém estudei a fundo em um espaço de três anos.
Hora de retrogradar o mercúrio (link para a parte 4).