Ouroboróscopo — Biografia em camadas, 4
Li muitos mapas astrais até descobrir o baixo-astral linguístico. As novaerinhas piram.
Em 2004, na minha primeira faculdade, estava fascinado com o estudo da simbologia nas artes e na cultura pop dos quadrinhos, e acabei gostando tardiamente de Batman, sobretudo as HQ’s especiais. Descobrira um site que tinha muitos artigos publicados sobre simbologia. Um em especial me chamara atenção por misturar assuntos tão diversos e aparentemente desconexos que, por causa dele, poderíamos hoje, vinte anos depois, juntar em um mesa de podcast universos inconciliáveis, de nerdolas reaças contra o wokeness dos filmes da Marvel a tarólogas feministas “devotas da deusa”.
Na época eu ainda tinha experiência sexual praticamente em tábula rasa. Logo, as descrições que eu lia sobre o meu signo, Escorpião, me intrigavam: “pessoas muito sexuais, sedutoras…”. Comigo não estava funcionando, e eu queria entender o motivo. E então, naquele site, encontrei um ensaio que analisava os tais dos temas inconciliáveis: o universo dos inimigos do Batman — sob a luz da Astrologia.
Repito: Batman e Astrologia.
Entender astrologia sob a ótica do Cavaleiro das Trevas seria irresistível para qualquer um que tivesse crescido nos anos 90 assistindo outro tipo de cavaleiro, no caso, os do Zodíaco. Devorei o artigo, pois.
Por associarem o próprio Batman ao signo de Escorpião, fiquei todo cheio de si, mas muito interessado em aprender sobre o tema. Por isso fiz meu mapa astral gratuitamente em algum site de remendos zodiacais e imprimi todos os explicativos que encontrei sobre signos, planetas e casas.
Como eu tinha muita coisa para estudar na faculdade, o mergulho nesse universo astral durou só dois finais de semana. Mas a incursão, embora afobada e precoce, foi uma espécie de aragem de solo, pois foi intensa. Era a primeira vez que me interessava a fundo naquele tema.
Poderia dizer que eu o abandonara, mas foi apenas um grande hiato. Em 2011, já na segunda faculdade, um professor falava sobre simbolismo no teatro e citou os quatro temperamentos na criação de personagens. Aquilo me intrigou por várias semanas. Resgatei aquele baú de códigos astrais que eu guardara por tantos anos. Agora, porém, a ressurrecta Astrologia unia-se a um novo campo de interesse, o teatro clássico. Seria possível pesquisar Astrologia, ou ao menos seus temperamentos, em um autor como Shakespeare? Sendo mais preciso: seria possível investigar se um autor pós-medieval tivera influências do conhecimento daqueles arquétipos tipográficos humanos para a elaboração de suas dramaturgias e a criação de seus personagens? Foi então que propus um projeto de iniciação científica em artes, que foi de primeira aceito pela Fapesp, a maior instituição de fomento à pesquisa do estado de São Paulo.
(Aqueles planos de conseguir uma bolsa de estudos no segundo ano de graduação afinal foram bem sucedidos).
Em resumo, nessa pesquisa eu precisei criar um método de análise de vocábulos para responder ─ e responder de forma objetiva, utilizando como evidências somente as próprias palavras do texto original de Shakespeare e no máximo a análise de três especialistas ─ se os personagens de Otelo poderiam ser identificados como “fleumático”, “melancólico”, “sanguíneo” ou “colérico”. Para isso tive que criar uma boa base teórica, visto que não era um assunto diretamente ligado ao universo de meu curso. Foi necessário estudar as bases da Astrologia; os arquétipos psicológicos de C. G. Jung; os humores de Hipócrates, “pai da Medicina”; os arquétipos comportamentais masculinos de Gillespie; além da metodologia e rigor de análise, que teriam que ser apresentados no relatório parcial antes de testados e descritos para o relatório final. Há quem diga que meu relatório de iniciação científica bateria de frente com uma defesa de mestrado mediano, mas não me interessei pela vida acadêmica para descobrir se era verdade.
Uma consequência sobre o tema de minha iniciação científica ─ tema atraente, intrigante, movedor de perguntas sobre crushes e seus respectivos fogos nos rabos ─ é que os colegas de curso passaram a me procurar no intervalo das aulas para esclarecer polêmicas sobre signos. Áries é fogo de palha? Touro é comilão? Câncer é sofrência? Libra é dado? Escorpião é transão? Aquário é tudo louco? Eu tinha me tornado uma espécie de consultor de horóscopo à mão do departamento. E eu gostei. Gostei de ser capaz de respondê-los seriamente, não pela polêmica em si.
Se na primeira faculdade o Batman foi a aragem, na segunda ocasião Shakespeare foi a semente. Um bom par de padrinhos. Não estava claro para mim como os planetas poderiam afetar nossos modos de ser e a probabilidade dos eventos em nossas vidas, mas, que havia algo coincidente, havia, e eu estava começando a notar.
Tive um novo hiato, pois a vida acontecia com prioridades entrelaçadas e trocas de protagonismo temático. Fui para o intercâmbio e guardei a Astrologia na gaveta. Rememorei-a, é verdade, apenas quando, para minha surpresa, vi espalhadas pela Europa diversas igrejas, catedrais e basílicas católicas com uma clara menção aos doze signos do zodíaco em suas pinturas. O Globe Theatre, construído nos anos 90 à semelhança do edifício original dos tempos de Shakespeare, também tinha os doze signos literalmente acima do palco, para que todos que assistissem a uma peça lembrassem daquilo do qual são feitos.
A Astrologia não voltou a ser imediatamente destaque quando retornei ao Brasil. No lugar disso, as leigas conjecturas astrológicas do “assim na terra como no céu” deram lugar a “o que está acima é como está abaixo” em um vago, porém novo e intenso interesse por ocultismo, e mais especificamente pelo hermetismo do Caibailion. Isso se deu primeiramente consumindo tudo que havia de gratuito nos canais de Lúcia Helena Galvão e as mais de 180 horas de palestras no então canal de Youtube de Hélio Couto. Depois, fui seduzido pela meditação transcendental e o legado de Helena Blavastky. Por fim, fui atraído pela abordagem “nova era” da Física Quântica, e em especial por sua decorrente conclusão filosófica, aquela dos físicos humanistas (“a vontade da mente interfere no estado da matéria ou da onda”) que teoricamente poderia ser aplicada em todas as áreas de trabalho, como a Saúde, as Artes, a Economia Criativa e, como não poderia deixar de ser, as terapias. Era a aplicação de uma “filosofia quântica” à nossa vida, o que os grupos davam o nome de “ativismo quântico”. Passei na época a ter certo orgulho de fazer parte disso, embora sem saber explicar o que significava na prática sem uma boa dose de groselhas e de pedantismo namastê.
Inclusive esse assunto, que encontrei até em algumas intersecções do campo artístico, chegou a abrir algumas oportunidades na área teatral. Que não frutificaram, como já contei. Mas, se nada frutificava, o problema só podia ser meu, afinal, segundo os quânticos nova-Hera que tinham se tornado meus gurus à distância, aqueles resultados eram o que eu estava atraindo, graças aos meus bloqueios emocionais a nível intercármico, astro-encarnatório, auro-sistêmico e anal-energético.
Era verdade que o Brasil estava em crise? Deixe-me melhorar a pergunta. Era factível que a economia quântico-criativa da presidente Dilma em todas as suas partículas ministeriais, sentindo as ondas marolas subestimadas por seu antecessor, o presidiente Lula, tinha provocado uma desmelhora nas finanças do brasileiro médio? Sim, era verdade. Mas eu também tinha confiado demais no meu talento e na minha capacidade co-cocô-cocó-criativa, deixando de lado aquilo que precisava mais, que era o suor nos bastidores. Deus multiplica por dez o esforço genuíno, mas, dez vezes zero, zero. E foi assim que cheguei em 2017 sem um puto no bolso. Houve uma tentativa frustrada de dividir o apartamento com uma então amiga (e muitas vezes eu dependi dela no pagamento de contas), o que culminou no vergonhoso retorno ao seio da mãe e um imediato resgate do FGTS, que Temer liberou para sangria dos efeitos daquele tsunami particular no país.
Se um artista olhasse para o espelho, enxergasse um tanto de experiências nas costas, encontrasse um grande nada de construções nos ombros (a não ser uma intelectualidade aqui e ali reconhecida por alguns poucos contatos restantes no mercado teatral), acumulasse uma forte noção de si mesmo orientado por autoajuda de Osho, tivesse uma avó que ainda não sabia o que o neto fazia da vida, e por fim sentisse pulsar um profundo desejo de provar pra si o quanto é especial para o mundo após fracassar no teatro, o que esse artista faria?
Exatamente, ler mapa astral.
(OK, sejamos justos: talvez tarô e numerologia. Ou alguma terapia em que se consiga formação em uma oficina de doze horas, com conteúdo canalizado por algum dirigente espiritual com nome indiano. Mas, no meu caso, foi Astrologia, já que eu tinha histórico de atleta no assunto.)
“Dessa vez vai!”
Descobri um professor que explicava signos de forma simplificada. Eu estava sem um tostão e me ofereci para ser seu assistente e produzir um material didático a partir das aulas. Ele topou (não sem antes tirar uma carta de tarô para confirmar se eu era honesto) e assim, de fato, pude superadubar toda aquela aragem e semeadura que outrora eu tinha preparado. Em poucas semanas eu fui de iniciante para intermediário em tempo recorde; afinal, eu não só assistia as aulas, mas anotava-as, passava-as a limpo, organizava-as em um material e ainda ajudava o mestre nas traduções da língua portuguesa, já que ele era gringo. As alunas terapeutas do professor realmente acharam que eu já era astrólogo, pois muitas vezes eu pude explicar o conteúdo melhor que o próprio professor.
Lembra do filme “Você faz teatro? Não? Pois devia”?
Dessa vez ouvi “Você é astrólogo? Não? Pois devia”.
E novamente, bote ao mar sem vela nem luneta, eu segui tais conselhos a remo. Fui estudar mais do assunto. Cheguei a ser assistente daquele professor por mais um tempo, e saí. Saí porque desconfiei que suas consultas envolviam uma espécie de marketing de pirâmide envolvendo vendas de florais supostamente contendo, em sua formulação, um pouco de pó de diamante, variando de acordo com o signo da pessoa (e não do Camus de Aquário). Verdade seja dita, aquilo o ajudou a ser um milionário três anos depois. Mas foi uma linha moral da qual eu não tinha certeza, e por isso preferi não atravessar.
Comecei a ler mapas astrais pra valer. Gostei da coisa. Ler um mapa astrológico envolve uma série de habilidades simbólicas e linguísticas que desafiavam meu intelecto. É decifrar códigos, ao mesmo tempo que construir significado, ao mesmo tempo que enxergar arquétipos na vida do consulente. É ainda mais desafiador se você buscar ser honesto e responsável nesse ato ─ e eu, além disso, queria ser também poeta, dramaturgo, artista com as leituras que fazia. Um pouco soberbo, um pouco imprudente, bastante naïve.
Mas, ou esse valor de honestidade não era compartilhado pelos colegas da área, ou o nível de autoengano do brasileiro é tão astronômico quanto dizia Machado de Assis.
Por exemplo, depois de largar do primeiro professor, em 2018, busquei outro mestre para aprender em nível mais avançado as chamadas técnicas preditivas. “Analisando o mapa do Neymar, vocês diriam que algum dia ele irá se livrar das lesões?”, “Que conselhos dariam para quem vai abrir uma empresa no final de 2019?” ─ entre outras análises especulativas que foram exercitadas apenas dentro do grupo, e que, hoje revendo, tiveram alguns tímidos níveis de acerto. Não foi pela aula em si que abandonei aquele professor, mas por motivos lingüísticos. Nos textos de suas próprias previsões tudo era chamado de “desafio”, “tempos de revisão”, “tempos de resgate”. Eu tentava imaginar a persona para o qual aquele professor escrevia: alguém cuja vida devia ser merda atrás de merda para ter “desafios e resgates” toda semana. Comecei a notar que, não só nos textos dele, mas nos de muitos outros astrólogos que eu seguia, havia algo em comum.
Se você tem mais de trinta anos e um nível de leitura adequado à sua idade, já deve ter percebido Instagram afora que, toda vez que se junta um microfone, uma argumentação aparentemente lógica, um malabarismo semântico e, nessa sopa, um tempero de signos, os seguidores vêm. Eu já tinha passado por uma iniciação científica que usara a semântica da Astrologia como método de pesquisa, e minha especialidade de carreira ainda era a palavra. Então, o que desceu quadrado com aquele professor foi perceber que muito do que ele escrevia ─ ele e muitos outros famosos ─ era pura salada de expressões genéricas especialmente emaranhadas para justamente serem literalmente obtusas, e assim atrair desavisados da língua, carentes poéticos ou neuróticos venusianos. Uma faca cega era, afinal, a melhor forma de precaver-se com uma escapada à tangente em caso de erro crasso com clientes e seguidores. E aquilo, para mim, não era honesto, embora não haja departamento jurídico que poderia condená-los por um Português impreciso.
Um outro exemplo foi de uma professora de Astrologia que, sendo feminista, tinha dificuldades de adequar o conceito de pai e mãe e masculino e feminino em um mapa astral.
Um outro astrólogo baseava a maior parte de sua leitura na interpretação de “Lilith”, tido pela cultura ocidental como demônio sumério, resgatada pelo ativismo anti-cristão e “anti-patriarcado” de nossos tempos, e associada arbitrariamente a um cálculo lunar inventado há literalmente menos de 100 anos (portanto não testado no tempo) para vender uma novidade às mulheres, pois supostamente esse novo achado significa “o resto do vinho da festa que você vai ser obrigado a tomar na vida” e ao mesmo tempo revela qual era o assunto no mapa da pessoa em que ela poderia encontrar suas maiores forças ocultas de insubmissão, pois é isso o que a tal da deusa representava.
Isso para não mencionar o critério de nomenclatura e de simbologia dos planetas não visíveis a olho nu. O fato é: tem algo errado com tudo isso.
Durante o período de estudos descobri que a Astrologia não é unânime, e que existe uma cisão do qual pouco se fala: a astrologia tradicional versus a moderna. Por que isso importa? Ou: por que isso importou para mim?
Porque, de um lado, eu já tinha percebido na astrologia moderna o gene do psicologismo burguês, típico de quem vai ao espelho, espelho meu, perguntar se há alguém mais lindo do que eu, intrincado nas análises que justificavam vícios de personalidade imatura aos signos escritos por Deus ─ quando se lembram Dele. Por outro, era nítido que havia, por parte da maioria dos astrólogos modernos, o que dá nove em dez, um elaborado contorcionismo verbal para criar interpretações específicas ao mesmo tempo que genéricas, especialmente se fossem embelezadas com “palavras ursinho”, ou seja, aquelas que todos acham bonitinho independente de seu real significado na frase. Dou exemplos. O “empoderamento” como valor da Vênus em Leão; o “debate emocional” contra o “relacionamento tóxico” da Lua em Escorpião; a “espiritualidade doadora do ser” da pisciana; o “pioneirismo” da venusariana em uma sociedade machista (Vênus é a queridinha desses poetas). Quando não eram tentativas de interpretar política à luz da astro(ideo)logia: Bolsonaro, mau, paira nas eleições representado por Saturno, enquanto o grande Haddad era o Júpiter que vinha para ensinar os brasileiros, já que Júpiter rege Sagitário, signo dos grandes conhecimentos, a esperança do Brasil.
Posso não ser inteligente o bastante, mas não sou burro assim.
Nem sempre o bom astrólogo sabe traduzir o que vê no mapa; mas um mau astrólogo pode florear sua interpretação de forma estratégica, verbalmente infalível. Sendo assim, vi à rodo muitos profissionais destemidamente à vontade com seu vocabulário floreado, mas cheios de amarrações poéticas, com uma retórica pouco fundamentada, acertando passarinhos com tiro de canhão, com um feed bem colorido, e sendo curtidos aos milhares. “Hashtag: eu todinho.” Perceber o baixo grau de responsabilidade em quase todos os perfis famosos me deixou desolado. É tanta farsa assim, essa Astrologia que eu mesmo vi pintada na Basílica de S. Pedro no Vaticano?
O que dizer? A gente gosta, a gente laika. Assim como na panelinha teatral, aquilo me colocou em conflito ético. Eu até busquei me aprofundar em estudos que pudessem explicar e desmentir certas lendas astrológicas, tomando o lado da astrologia Tradicional em meus debruços. Há impacto de Urano na sua vida? Há gatilhos revelados por Saturno retrógrado nas suas finanças (mesmo sabendo que Saturno todo ano fica retrógrado por metade do ano inteiro)? Lua Azul pra cá, Lua de Sangue pra lá, podemos levar isso a sério (junto às bruxinhas de apartamento bo-ho “plantado a lua” nessas noites coloridas)? O signo do noivo combina com o da noiva (mais que suas religiões, valores e vontade de fazer dar certo)? Existe inferno astral, escravo astral? (Ou o “inferno astral” é aquele lugar para onde vão todos os blogueirinhos que ensinam a fazer magia de prosperidade em noites de eclipse?)
Pior ainda é que Astrologia é uma babel de feira, onde quase não há arenas de contestação, e percebi a tempo que, se fosse para ser honesto comigo mesmo, com o conhecimento que eu valorizava, com a verdade e, sobretudo, com Deus (embora eu não tivesse tantos receios na época de estar desagradando-O), no fim das contas eu é que seria taxado como o louco, o estraga-prazeres, o desesperançante, pois o esforço de desmentir é sempre cinco vezes maior que a de enganar. Eu queria assumir mesmo papel de inimigo público do Zé Mercúrio, da Vênus de Lima, da Lua de Ametista e das Incensárias de Urano? Fake natty! Para que aquele trabalho realmente valesse a pena e pagasse meus boletos, eu teria que ler mapas astrais a toque de caixa, produzir conteúdo irrelevante e chamativo, sempre uma nova manchete sensacionalista, um copy com gatilhos mentais, tudo isso ao mesmo tempo na contramão do que a maioria dos próprios consumidores buscam (enganos), estudando nas horas vagas com a esperança de um dia ser levado “academicamente” a sério.
Não era minha batalha.
Eu não suportaria ser aquela resistência de saber contra tanta especulação zodiacal. Não por falta de fibra, mas por excesso de hidra.
Como foi que eu tinha chegado naquela dependência? Se eu precisasse transformar em ofício aquele tema que eu inicialmente tinha entrado por curiosidade e paixão (Batman, Shakespeare e um punhado de desorientação), eu iria por fim odiá-lo. E Astrologia, em si, era perfeita demais para ser odiada — e não ser algo contemplada como um código de Deus.
“Lá está Claucio. Tentou muita coisa. Vangloriou-se de vento. Não multiplicou talentos. Está na mesma idade em que Meu Filho deu Seu sangue por ele. É hora de uma nova chance.”
E foi pelas mãos de um amigo das antigas, empresário e pastor batista, que veio uma oferta de emprego.
Ofereceram-me uma função em uma pequena empresa da área de comunicação que eu poderia ocupar por meio-período. Uma espécie de agência que atendia clientes de um nicho que tinha sido minha especialidade antes de minha ida ao teatro.
Assim eu retornei para a publicidade. Quase dez anos depois de eu ter saído da carreira para prestar meu segundo vestibular. Totalmente desorientado, embora tivesse lido e relido meu próprio mapa astral diversas vezes, de repente, pelas mãos Daquele que alguns chamam de acaso, eu estava de volta ao jogo. Do resgate do FGTS em 2017 eu fechei 2018 no azul e, graças à estabilidade desse trabalho, pude, um ano depois, sair da casa de minha mãe, alugar um apartamento sozinho pela primeira vez e, dois anos depois, comprá-lo via financiamento.
É verdade que eu ainda li alguns mapas astrais depois disso. Mas, financeiramente, não valia nem a metade do esforço de um pouco de hora extra na agência. Minha jornada pela Astrologia foi uma espécie de último canto do cisne daquele que eu considero meu eu imaturo. Cego, mas coração; cego, mas honesto. Eu sou um artista, afinal, e se o cisne cantou, um canto já tenho pra contar. Mas ainda falta outra coisa pra dizer em uma quinta e última apresentação biográfica.
Eu já tinha retornado para São Paulo. Eu já tinha retornado para uma vida financeira minimamente adulta. Eu já tinha retornado para um ofício coerente com meus talentos e capacidades. Faltava um último retorno: o espiritual. O retorno solar, que não é o astral, mas que, sem pretensões mitra-animistas, é do Sol de nossas almas. Era chegada a hora do mais importante retorno. Existe a parábola do filho pródigo, que eu, a vida toda, achei que escrevia prodígio (pra ver como trocadilhos induzem a percepção de nossos destinos). Era hora de voltar Àquele, o Homem, que narra a tal da parábola. Mas Deus o permitiu de uma forma caprichosa,misteriosa e muito misericordiosa, como se personalizado especialmente para aquele seu filho orgulhoso e extravagante.
Continua, pelas linhas tortas, na última parte.